quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Partidos e Fundo Partidário | *Almir Pazzianotto Pinto

- O Estado de S.Paulo

O voto deve ser livre e as legendas, incumbidas de arcar com os custos das campanhas

“O ideal democrático supõe cidadãos atentos à evolução da coisa pública, informados dos acontecimentos políticos, ao corrente dos principais problemas, capazes de escolher entre as diversas alternativas apresentadas pela forças políticas e fortemente interessados em formas diretas ou indiretas de participação”. A frase está no verbete Partidos do Dicionário de Política de Bobbio, Matteucci e Pasquino.

Entre as formas de participação, a melhor talvez seja o partido, definido como associação formal de cidadãos investidos de direitos políticos, dotada de ideologia e de objetivos comuns, para conquistar, exercer e se manter no poder.

A abdicação de dom Pedro I, em 7/4/1831, “foi o ponto de partida para a vida partidária brasileira; antes só existiam indivíduos de várias opiniões, e opiniões várias, gravitando em torno do ânimo inconstante do monarca”, escreve João Camillo de Oliveira Torres no clássico A Democracia Coroada. Para o historiador, as atividades políticas, durante a Regência e o Segundo Império, desenvolveram-se em torno de dois eixos: o Partido Conservador e o Partido Liberal. Em breve e imperfeita síntese, os conservadores aceitavam a Constituição de 1824, “oferecida e jurada por Sua Majestade o Imperador”. Os liberais, por sua vez, desejavam Constituição isenta da mancha autoritária da outorga, que as províncias fossem livres, não houvesse vitaliciedade no Senado e se reduzissem as prerrogativas do Poder Moderador.

A História política do Brasil é marcada por instabilidade e sucessivos movimentos e intervenções militares. O primeiro se deu em 15/11/1889, comandado pelo marechal Deodoro da Fonseca para decretar o fim da monarquia e o exílio de dom Pedro II. O último, em 31/3/1964.

A Primeira República perdurou de 1889 a 1930. Dois partidos se revezaram no poder por quase 40 anos: o Partido Republicano Paulista (PRP), fundado em julho de 1873 na cidade de Itu por fazendeiros, médicos, advogados, jornalistas e comerciantes; e o Partido Republicano Mineiro (PRM), organizado em 1888 e reorganizado em 1897. Foram dissolvidos por Getúlio Vargas mediante o Decreto-Lei n.º 37, de 2/12/1937, após a instauração do Estado Novo, sob o fundamento da “multiplicidade de arregimentações partidárias, com objetivos meramente eleitorais, ao invés de atuar como fator de esclarecimento e disciplina da opinião”.

A derrota do nazi-fascismo na 2.ª Guerra Mundial (1939-1945) determinou o fim da ditadura do Estado Novo. Entre abril e julho de 1945, ante a perspectiva de redemocratização, organizam-se três partidos: a União Democrática Nacional (UDN), o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e o Partido Social-Democrático (PSD). O PSD, para representar a elite rural e o empresariado conservador; o PTB, vinculado ao Ministério do Trabalho, como defensor do trabalhismo corporificado na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT); e a UDN, para ser porta-voz da classe média urbana e de intelectuais adversários da ditadura. Fundado em 1922, o Partido Comunista permaneceu parte da existência na clandestinidade. Reestruturado em setembro de 1945, teve o registro cancelado em maio de 1947 pelo Tribunal Superior Eleitoral e cassados os representantes eleitos para a Câmara dos Deputados e o Senado.

O movimento militar de março de 1964 procurou legitimar-se com a edição do Ato Institucional n.º 1 (AI-1), baixado pelo Comando Supremo da Revolução em 9 de abril. Em 15/7/1965 foi aprovada a Lei n.º 4.740, sobre a organização de partidos políticos. Pouco depois, todavia, em 22/10, o artigo 18 do AI-2 dissolveu os partidos existentes. Foram extintos o PSD, a UDN, o PTB e nove outras legendas de menor expressão. Logo em seguida se decretou o Ato Complementar n.º 4, dando ao Congresso Nacional o prazo de 45 dias para a organização de agremiações destinadas a substituí-los. Surgiram, assim, a Aliança Renovadora Nacional (Arena) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), a primeira para apoiar o regime e o segundo para desempenhar o papel de oposição.

A Lei n.º 4.740/1965 nasceu com pecados mortais, responsáveis pelo atual estado de decomposição das atividades político-partidárias: criou o Fundo Partidário com dinheiro subtraído da educação, da saúde, da segurança, da infraestrutura, do Poder Judiciário, das Forças Armadas; e o falso horário eleitoral gratuito, alimentado com recursos retirados do Imposto de Renda. Do conluio entre eles nasceu a sombria figura do marqueteiro, pago para redigir programas e impingir candidatos, com o uso do rádio e da televisão.

Durante a primeira, a segunda, a terceira e a quarta Repúblicas, entre 1889 e 1965, os partidos sustentaram-se com recursos previstos nos estatutos e contribuições de simpatizantes. O dinheiro curto impunha-lhes mais presença e combatividade. O financiamento das disputas para vereador, prefeito, deputado, senador, governador, presidente da República, em 1945, 1950, 1954, 1960, competia às agremiações, aos candidatos e aos eleitores. Corrupção certamente havia. Quem não ouviu falar da “caixinha do Ademar”? Nada, porém, equiparável ao que se observa hoje, com a institucionalização da propina, do caixa 2, de “recursos não contabilizados”, de campanhas mentirosas arquitetadas por profissionais.

O Código Civil (artigo 44) e a Lei n.º 9.096, de 19/9/1995 (artigo 1.º), definem partido político como pessoa jurídica de direito privado. No momento são 35, financiados com o nosso dinheiro. A reforma eleitoral é mais simples do que se pensa. Basta emendar a Constituição para suprimir o parágrafo 3.º do artigo 17 e, ato contínuo, revogar os dispositivos legais que tratam do Fundo Partidário e do horário “gratuito” de rádio e televisão. O voto deve ser livre e os partidos, incumbidos de arcar com os custos das campanhas.

O povo sofrido e maltratado agradecerá.

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*Advogado, foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho

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