sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Presidencialismo de traições | Cristian Klein

- Valor Econômico

Autofagia de PSDB e PT opõe Lula x Palocci e Doria x Alckmin

Nenhuma semana para o presidente Michel Temer, em quase 16 meses, foi melhor do que a que está terminando. Seus dois maiores algozes - o procurador-geral da República e o empresário achegado que lhe armou uma arapuca - caíram respectivamente em descrédito e desgraça, depois do revés da delação da JBS.

Quase ao mesmo tempo, sangra o líder do campo político antagônico, ferido pelo fogo amigo. No mercado político-jurídico, as palavras de Palocci contra Lula valem mais do que as de Joesley contra Temer. O presidente da República voa para longe das armadilhas. O ex vai sendo cada vez mais empurrado para dentro delas.

Lula ainda não pode ser dado como pássaro capturado ou cachorro morto, mas foi contra ele que Rodrigo Janot apresentou duas denúncias seguidas, na terça e quarta-feira, quando a opinião pública em peso se voltaria contra a revelação de véspera do procurador-geral. A delação da JBS, anunciou Janot, estava sob suspeita com a descoberta da gravação que mostraria o papel de agente duplo de seu ex-colega da Procuradoria-Geral, Marcelo Miller, em favor do grupo de Joesley Batista.

À mancada da PGR seguiram-se as pancadas no petista que sempre reverberam, embora nenhuma pior e com mais força sobre Lula do que a desferida por Palocci em depoimento ao juiz Sergio Moro. A fala do "Italiano" é para Luiz Inácio o que talvez fosse a delação de Cunha para os destinos de Temer. O "Caranguejo" deu pra trás e silenciou.

Ainda há Lúcio Funaro. Mas se Temer já havia demonstrado força política quando sua base barrou a primeira denúncia de Janot, o pemedebista agora ganhou alguns palmos no terreno jurídico para questionar a validade das acusações que lhe foram lançadas. E, politicamente, tomou distância do risco de ser afastado pela aguardada segunda denúncia da PGR.

Até o momento, a sensação é de que faltará bambu para as propaladas "flechadas" de Janot. Há quem espere, no entanto, que o procurador-geral, antes de terminar o mandato, em 17 de setembro, surpreenda. "Não acredito que nada de grave vá ocorrer com o Janot, pelo contrário. Seus próximos passos serão de avanço total. Ele vai soltar tudo o que tem", diz, de Portugal, o professor titular e diretor da FGV Direito Rio, Joaquim Falcão.

O pesquisador baseia sua percepção em dois pontos: primeiro, "porque foi um trabalho dele", e segundo, "o que pouco se fala, para testar a Raquel" [Dodge], próxima procuradora-geral da República. Para Falcão, apesar de nomeada por Temer, com quem se encontrou, fora da agenda, à noite no Palácio do Jaburu, Raquel não terá outra saída, quando assumir, a não ser defender a instituição. "Não dou três, quatro meses, para que ela se afirme com independência surpreendente. Vai proteger o Ministério Público, não tem outro destino. Não vai defender um grupo político ou pagar dívidas de circunstâncias porque Temer a nomeou", diz.

Opositora interna de Janot, Raquel teria, assim, que mostrar um desempenho não muito diferente do antecessor. Hoje advogado do Rede, partido da ex-senadora Marina Silva, o ex-juiz Márlon Reis, um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, afirma não se aliar "aos que estão em ataque" a Janot. Em sua opinião, a descoberta da suposta relação entre o ex-procurador Marcelo Miller e a JBS "faz parte do próprio trabalho de investigação". "É um grau extra de refinamento que mostra a inexistência de blindagem dos próprios investigadores", diz.

O futuro de Janot, prevê, será um retorno "às sombras", não por alguma repercussão negativa do trabalho, mas porque a relevância é da operação Lava-Jato e porque as atenções se voltarão, naturalmente, para a nova procuradora. Para Reis, a gestão de Janot termina marcada por uma atuação "contra todos" e "por isso ele foi atacado por todos", de diferentes filiações partidárias. O conjunto da obra dele, afirma, "aponta para o recebimento de um Oscar". "Foi o mais independente e corajoso dos procuradores da República, sem demérito para os outros. De fato, ele foi diferente", elogia. Se os resultados não foram exatamente os esperados, argumenta, é porque as decisões não cabem ao MP, mas aos distintos juízes e tribunais.

Carlos Siqueira, presidente nacional do PSB, conta que já foi incentivado por amigos mineiros a convidar Rodrigo Janot para as fileiras do partido. Segundo os colegas, o procurador-geral teria desejo de fazer carreira política e poderia ser um bom nome para a eleição a governador do Estado. Siqueira diz não acreditar e acha que também não seria aconselhável porque pareceria que Janot sempre teve por objetivo ganhar projeção política.

O dirigente afirma que tem duas respostas quando lhe perguntam porque não convida Janot para se filiar ao PSB: primeiro, porque a sigla já tem um candidato a governador, o ex-prefeito de Belo Horizonte, Marcio Lacerda; e em segundo lugar porque defende que haja uma quarentena para que servidores públicos entrem na vida política assim como há para se ingressar na iniciativa privada.

Por essa lógica, acrescenta, o caminho estaria livre para os ex-ministros do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa e Carlos Ayres Britto. "Ambos já cumpriram sua quarentena. Não vejo muito entusiasmo da parte deles, mas não é descartável essa possibilidade. O partido foi procurado por figuras assim, mas até agora as conversas se deram de maneira muito reservada", afirma Siqueira, para quem Moro não teria a "mínima tendência" de se candidatar, embora o mesmo não possa ser dito de Deltan Dallagnol, procurador da Lava-Jato.

Personagens do Judiciário que tenham um mínimo de estrutura partidária poderão ter protagonismo, uma vez que o eleitorado "está muito ressabiado" com a crise política, econômica e moral do país, diz o dirigente do PSB.

Joaquim Falcão vê no atual estágio dos acontecimentos no país uma "coisa meio grega", uma tragédia na qual vem à tona não apenas ilegalidades ou crimes. "Chegou-se a outro nível da natureza humana, que é o da perversidade, das traições", diz. Falcão menciona as declarações de Palocci contra Lula.

Siqueira cita a disputa que João Doria trava com Geraldo Alckmin, seu padrinho político, pela candidatura à Presidência do PSDB: "Isso é imperdoável na vida pública. É uma cretinice".

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