quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Sem bambus e flechas | Míriam Leitão

- O Globo

Não se ouviu uma palavra forte, ou qualquer metáfora impactante, nenhuma ameaça, nenhum tom de missão. A chefia da Procuradoria-Geral da República mudou e tudo ficou diferente. Exceto o essencial: “o compromisso do Ministério Público com a Lava-Jato é o meu compromisso”, disse Raquel Dodge, acrescentando que a Operação terá todo o apoio da sua gestão.

Palavras ouvidas para descrever a nova gestão foram modicidade, sobriedade, temperança e equilíbrio. O estilo mudou radicalmente. O que mais vai mudar? Foi o que os repórteres tentaram saber na primeira entrevista coletiva da nova procuradorageral da República, Raquel Dodge.

Ela é de se ler nas entrelinhas. As perguntas tocaram nos pontos nevrálgicos, mas ela não se deixou trair pelas palavras. No mesmo tom de voz, ela soltava uma ou outra palavra sobre a qual pode se inferir algo. Houve o caso do procurador Sidney Madruga, que foi visto e ouvido numa mesa de restaurante dizendo para a advogada do grupo JBS que seria investigado Eduardo Pellella, o ex-chefe de gabinete do ex-procurador geral. Ele estava na equipe dela e foi afastado depois da matéria. Raquel disse que ele foi escolhido para o grupo que cuida das questões eleitorais e que ela pediu que cada um dos seus assessores se limitasse apenas aos seus assuntos. Disse que aceitou prontamente a sua exoneração, mas não o criticou diretamente. Sobre se haverá essa investigação, ela disse que qualquer procedimento será anunciado quando for instaurado, e “não é o caso ainda”. O “ainda” ficou pairando no ar.

Sobre se as provas da delação da JBS valerão ou não, ela disse que há uma diferença do ponto de vista jurídico entre rescisão e nulidade de delação.

— No tocante às provas, me parece que a lei é clara. A rescisão do acordo não invalida prova produzida no âmbito da delação premiada. Como a matéria é regulada por lei, é à lei que nós daremos consequência e aplicação.

Alguém quis saber com que cenário está trabalhando, e ela disse “estamos trabalhando no cenário da lei”. Elogiou o instrumento da colaboração premiada, dizendo que isso fez diferença na Lava-Jato, mas deixou claro que não quer saber de vazamentos, de notícias antecipadas por jornalista. Avisou que a imprensa avalia o que deve comunicar, mas que o MP vai cumprir a lei:

— No tocante a vazamentos, a lei 12.850 disciplina que deve haver sigilo sobre delações em curso, sobre a prova colhida no âmbito das delações, até o momento em que o Poder Judiciário levante o sigilo, e é com esse acatamento ao que dispõe a lei que tratarei dessas questões aqui na PGR.

Em toda a entrevista, ficou evidente uma mudança de forma. Foram-se os bambus e as flechas, as frases incandescentes, os adjetivos fortes. O essencial permaneceu. Diante da pergunta sobre se concorda com a denúncia de que o presidente Temer é chefe de organização criminosa, ela não respondeu diretamente, mas lembrou que no seu memorial, entregue ao STF, no primeiro dia de trabalho, sustentava que a denúncia deveria ser enviada “incontinente” à Câmara:

— Se a Câmara aprovar, exercerei aquilo que é dado a todo membro do MP fazer. A denúncia será submetida ao plenário do STF, e, se recebida, deverá ter continuidade porque a ação penal pública é indisponível. Nenhum procurador pode dispor da ação penal, voltar atrás. Uma vez recebida, darei a ela a continuidade.

Ou seja, se a Câmara der autorização para processar Temer, a PGR vai continuar com seu papel de acusador.

O Brasil viveu uma tempestade nos últimos anos, não pelo temperamento do procurador-geral, mas pela natureza das denúncias feitas e dos crimes que as investigações descobriram, cometidos pelas autoridades do país. Mas Rodrigo Janot pela sua forma de agir, e revidar qualquer crítica, aumentou a altura das labaredas. As falhas na delação de Joesley pioraram o quadro, e o próprio MP entrou na linha de tiro.

A procuradora-geral tem novo tom, novas palavras, novo comportamento, mas continuará no mesmo processo de coibir essa “criminalidade dissimulada, esse conluio”, que é a corrupção.

Sobre o Rio, repetiu uma palavra que altera o enfoque. Por duas vezes, definiu os crimes cometidos como “federais”. E listou associação para o tráfico de drogas e armas, corrupção. Ou seja, se o crime é federal, não é problema de segurança a cargo do estado, apenas, e as forças nacionais estão cumprindo seu dever.

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