terça-feira, 26 de setembro de 2017

Teste de 'realpolitik' | Editorial | Folha de S. Paulo

Duas leituras sobressaem dentre as diversas interpretações a respeito dos resultados da eleição parlamentar da Alemanha, realizada neste domingo (24).

Obviamente, a visão mais positiva diz respeito ao histórico feito de Angela Merkel, que conseguiu seu quarto mandato como chanceler. No pós-guerra, só Helmut Kohl, o líder da reunificação do país, obteve tal façanha.

Aprecie-se ou não a forma de fazer política de Merkel, há que reconhecer o peso de um governante estar há 12 anos no poder —com a projeção de chegar a 16— em uma grande democracia ocidental.

Entretanto a vitória da chanceler foi consideravelmente ofuscada pela avaliação de viés negativo, a saber, o desempenho do partido de direita ultranacionalista AfD (Alternativa para a Alemanha).

Com quase 13% dos votos, segundo dado preliminar, a legenda deve conquistar cerca de 90 cadeiras no Parlamento (de um total estimado em 709). Houvesse conseguido um assento que fosse, já seria digno de registro: nunca uma sigla abertamente xenófoba teve representante na principal tribuna alemã desde a queda do nazismo.

Em um país bastante zeloso da tarefa de evitar o ressurgimento da chaga extremista do século 20, a ascensão da AfD provoca compreensível temor. Contribui para tal sensação a crescente influência de movimentos nacionalistas em outros países europeus.

Diante dos dois principais efeitos do pleito, há razões tanto para os otimistas quanto para os alarmistas. Uma observação mais distanciada leva a crer, porém, que um meio-termo se afigura como o cenário mais provável.

É certo que Merkel consolida sua imagem de comandante e porta-voz da Europa no antagonismo a Donald Trump, mas ela se vê pressionada internamente após seu partido, a CDU (União-Democrata Cristã), ter perdido cadeiras no Legislativo em relação a 2013.

Contestada até por sua base pela política pró-refugiados, a chanceler também terá de lidar com a amplificação do discurso anti-imigração da AfD, agora a terceira força do país. Eis aí, no entanto, outro fator para ponderação. Qual será o comportamento do novo integrante da Casa?

A decisão da líder da sigla, Frauke Petry, de se declarar como parlamentar independente nas futuras votações em plenário sugere uma tendência à moderação. Embora conte com uma ala mais radical, a AfD está ciente do risco de se isolar no Parlamento caso enverede pela via extremista.

Não há dúvida de que a Alemanha inicia nova configuração em sua política. A ver, agora, como cada personagem exercerá seu papel.

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