quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Balcão do Planalto | Míriam Leitão

- O Globo

Para ficar no cargo, Temer deprecia a política e aumenta o risco fiscal. O Brasil vive pela segunda vez a exibição vergonhosa do balcão de negócios do Planalto. O presidente, a cada denúncia, abre as portas para parlamentares que vão, com maior ou menor grau de despudor, vender seus votos em troca de alguma moeda: o apoio a projetos, a liberação de recursos, a defesa de interesses. O presidente dá a desculpa de que receber políticos é sua forma de governar.

Isso deprecia ainda mais a política e reduz a confiança na economia. Como o mercado tem estado em alta, o governo Temer acha que tudo o que fizer para se manter no poder não vai provocar uma onda negativa nos preços dos ativos. Está enganado. Há fatores externos, muito autoengano, e especulação na elevação da bolsa e na valorização do real. Mas, se houver algum evento que reduza a liquidez internacional, o mercado muda de humor e passa a ver os problemas aos quais está indiferente agora.

Na política, às vezes há pequenos avanços, como a aprovação da minirreforma com o fim das coligações proporcionais e cláusula de barreira. Mas, em geral, o que se vê é uma sucessão de absurdos em sequência, como a tentativa de usar o Refis para parcelar o pagamento das dívidas de investigados da Lava-Jato. Não fosse derrubada, passaria a ser conhecida como Refis da Corrupção.

Quando começa a caravana ao Planalto, o risco fiscal aumenta. Propostas que elevam gastos ou a renúncia fiscal começam a andar, como a de não cobrar dívidas do setor rural junto à Previdência. O presidente tem se comprometido com questões e projetos sem qualquer transparência. E assim o país acaba sendo surpreendido por decisões como as que são tomadas de forma atabalhoada na área ambiental. Ontem mesmo o “Estadão” noticiou um acordo entre governo e ruralistas para editar uma MP e regularizar o arrendamento de terras indígenas ao agronegócio. Um duplo ataque, aos índios e à floresta. O governo, mais tarde, negou.

Como o GLOBO publicou, em menos de 12 horas de audiências, Temer recebeu mais de 50 deputados e alguns disseram explicitamente que estavam ali para trocar o seu voto na manutenção do presidente no cargo por alguma demanda. É natural que políticos defendam os interesses dos seus eleitores, mas não é normal esse mercado de votos pelo mandato presidencial.

Um governante com 5% ou menos de popularidade aproveita-se do cargo para comprar com favores públicos a sua permanência no cargo. É o que o país está vendo neste momento em mais um dos tantos episódios que abastarda a política.

Não satisfeito com o escandaloso caso de troca de representantes da Comissão de Constituição e Justiça na primeira denúncia, o presidente Temer prepara-se para fazer tudo de novo agora. O relator foi escolhido sob medida para elaborar o relatório que o Planalto quer. Isso para evitar o absurdo da primeira vez, em que o texto do deputado Sérgio Zveiter foi rejeitado e em questão de horas estava aprovado o novo relatório, favorável ao presidente, do tucano aliado Paulo AbiAckel. Num enredo que se repete, foi escolhido outro tucano aliado para fazer o trabalho ao agrado do governante. Isso deixa o PSDB mais uma vez em sua interminável crise de identidade. O partido tem servido a todos os propósitos do presidente Temer, ocupa pastas no governo, na hora do voto se divide ao meio. Consegue cair para os dois lados do muro, ao mesmo tempo.

O presidente pode considerar que a denúncia é “inépta e sem sentido”. Afinal, é o denunciado e tem o direito de se defender. A Câmara pode votar em sua maioria por não conceder a licença para o processo contra o presidente. Tudo isso é normal. O que não é natural é ver o presidente à luz do dia nesse compra e vende de votos e favores para seu próprio interesse. E Michel Temer tem sido reincidente. Tudo o que ele faz agora já fez da primeira vez em que foi denunciado. O país sabe o final dessa história.

O problema não é nem o tamanho do mandato do presidente Temer. Se dura semanas, meses ou até o final do próximo ano. É em que estado institucional estará o Brasil quando ele acabar. A ex-presidente Dilma criou uma devastação na economia e legou ao país, ao ser deposta, uma economia em escombros. O presidente Temer está agora atacando o que resta da estrutura política apenas pelo desejo de ficar até o fim deste período.

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