sábado, 21 de outubro de 2017

Direita sobe na Áustria | Gilles Lapouge

- O Estado de S.Paulo

Viena é hoje a mais implacável capital europeia em relação aos imigrantes

A ciência política é uma arte complicada. Vejamos a Áustria, país pequeno, culto e opulento, próximo à Alemanha, no centro do continente europeu. É uma das regiões mais prósperas da Europa. Um país de cultura de elite, rico em sua esplêndida história e sem desemprego nem convulsões sociais, algo que não mais ocorre habitualmente. Portanto, poderíamos esperar que, aos partidos extremistas, faltassem energia e combustível. Mas ocorre o contrário.

Nas eleições parlamentares do dia 15, o vencedor foi o partido conservador da ÖVP, liderado por Sebastian Kurz, que recebeu 31,7% dos votos. Em segundo, veio o Partido Socialista (SPÖ) com 27%. Muito perto, em terceiro, aparece outro partido conservador, ainda mais extremista do que o primeiro, o FPÖ, com 25,9% dos votos. O líder do FPÖ, Heinz Christian Strache, não esconde suas simpatias fascistas, até mesmo nazistas. Na juventude, ele foi muito próximo dos nazistas e hoje, na meia idade, está ligado à francesa Marine Le Pen.

Um cálculo simples mostra que se os dois partidos de direita (ÖVP e FPÖ) unirem forças, podem governar. De fato, após a proclamação dos resultados, os extremistas do FPÖ se regozijaram. Fizeram uma grande festa, com cerveja e escalopes empanados, polca e danças folclóricas. Uma delegação do partido neonazista alemão, o AfD, cantou com eles. No entanto, apesar da boa votação, faltou entusiasmo à festa.

A falta de confiança é explicável. Kurz não parece ser de fácil trato. É muito jovem, uma espécie de milagre. Está com 31 anos, batendo de longe os outros dirigentes jovens (Macron, na França, ou Trudeau, no Canadá). Ainda mais curioso é o fato de não ser um iniciante na política. Aos 24 anos, ele havia abandonado a faculdade de direito para assumir o cargo de Secretário de Estado para a Integração. Saiu-se tão bem que, em 2013, foi nomeado ministro das Relações Exteriores.

Certamente, em um país pequeno como a Áustria, um enclave entre a Alemanha e a Itália, sem relações com o “amplo espectro”, a função de ministro as Relações Exteriores não é arrebatadora. Mas como Kurz não tem grandes temas para abordar, aproveita-se de sua posição para dedicar todo o cuidado à luta contra os “imigrantes”. Ele não assume qualquer risco, uma vez que a Áustria, desde o fim da última guerra, é um verdadeiro paraíso para todos os partidos extremistas contrários à imigração. E lembremo-nos: há alguns anos, o neonazista Jorg Haider recebeu ainda mais votos que os do FPÖ agora.

Kurz, portanto, explora ao máximo a “paixão anti-imigrante” austríaca. Ele sabe, além disso, que o outro partido conservador, eurocético e anti-imigrante, de Heinz Christian Stache, explora o mesmo “apoio racista”. Por isso, assistiremos a uma disputa feroz entre os dois partidos conservadores contra os migrantes.

O resultado é que Viena é hoje a mais implacável capital europeia em relação aos imigrantes (apesar de uma forte presença deles) e uma rivalidade virulenta se esboça entre os líderes dos dois partidos extremistas: Kurz, que ganhou as eleições, e Strache, que ficou em terceiro, mas perto dos socialistas. Uma coligação entre os dois líderes não é uma questão simples.

Outra armadilha foi descoberta esta semana. Ao realizar seus deveres eleitorais, o atual presidente da Áustria, o ecologista Alexander van der Bellen, disse a jornalistas que estava muito interessado que a Áustria tivesse um governo “pró-europeu”. A frase, lançada como “uma confidência”, levou preocupação ao campo conservador, aos “eurocéticos” do FPÖ e aos “conservadores” do jovem Kurz. De fato, a Constituição austríaca autoriza o presidente a se opor a “qualquer coalizão de direita que possa comprometer diretamente os princípios fundadores da construção europeia”. Tais são as preocupações que explicam a incerteza na qual a Áustria permanece imersa, apesar do claro avanço dos conservadores e dos eurocéticos.

As consultas do presidente começarão na quinta-feira. Elas não serão simples e seu sucesso ou fracasso vai interessar não só aos austríacos, mas à Europa. De qualquer forma, mesmo que a coalizão “direita e extrema direita” não chegue a se formar, o exemplo austríaco pesará sobre outros países europeus motivados pelo ódio aos imigrantes ou pelo desprezo à União Europeia. Basta pensarmos em países como Hungria, Polônia, Eslováquia, República Checa ou mesmo alguns países da Europa Ocidental.

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