segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Não procure coerência | Vinicius Mota

- Folha de S. Paulo

Pense em dois extremos teóricos para explicar a formação dos grupos de opinião que se atritam na sociedade. Caminha-se de um polo ao outro conforme a influência das ideias na atração dos militantes vá desaparecendo. A coerência lógica do ideário faz o mesmo percurso: é perfeita na saída e aleatória na chegada.

Ao observador cético desses choques já está claro, faz tempo, que estamos bem mais próximos do segundo limite que do primeiro. Não lhe causa estranheza que grupos emergentes de jovens autodeclarados liberais se engalfinhem em cruzadas carolas contra exposições artísticas.

Do outro lado, sugere-se um riso cínico como reação contra quem se agarra ao princípio da liberdade de expressão para se defender. Esse flanco também professa o "controle social da mídia" no Brasil, cala sobre o liberticídio em Cuba e na Venezuela e coonesta o dirigismo estatal na cultura se a turma certa estiver no poder.

O fenômeno é mundial e vem de longe. A direita americana, a partir de Ronald Reagan, associou liberalismo econômico com extremo conservadorismo nos costumes. Agora dispensou o primeiro elemento e virou nacionalista. Defende, como a esquerda brasileira, política econômica agressiva para proteger indústrias locais.

A esquerda nos EUA se põe a derrubar estátuas de líderes sulistas da guerra civil finda há 152 anos. Favorece a liberdade desde que o palestrante não seja da identidade errada. Aí parte para o escracho.

É obsessivamente a favor do aborto, mas fanaticamente contrária à pena de morte. O mesmo "progressismo" faz campanha para proibir o cigarro, caso seja de nicotina, e para liberá-lo, se for de maconha.

Direita e esquerda, a depender dos clubes, agora concordam que há uma conspiração de banqueiros mundiais. A primeira diz que é para corromper os valores da família. A segunda, que é para sufocar a sublevação dos povos oprimidos.

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