sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Oi: um caso exemplar | Claudia Safatle

- Valor Econômico

Governo quer "enquadrar" acionista minoritário

Tão logo começaram as reuniões do grupo de trabalho do governo encarregado de construir soluções para a crise financeira da Oi - a maior operadora de telefonia do país -, ficou claro que qualquer saída para a empresa terá que envolver novas práticas de governança.

Para o grupo, duas decisões são cruciais. Primeiro, retirar a dívida da Oi com a Anatel, de R$ 11,1 bilhões, da recuperação judicial (RJ). E, segundo, resolver um grave problema de governança da companhia, "onde um acionista minoritário tem o domínio das decisões", disse uma fonte oficial. O empresário Nelson Tanure detém, atualmente, 5% das ações da Oi, mas tem laços muito estreitos com os representantes da Pharol, ex- Portugal Telecom, que têm cerca de 22% das ações. Para o governo é um mistério a influência "fora do normal" que Tanure exerce sobre um grupo de credores.

A Oi se afundou em uma dívida de mais de R$ 74 bilhões, sendo que R$ 63,96 bilhões constam da recuperação judicial da companhia desde o ano passado. O primeiro plano de recuperação não ficou de pé e aguarda-se um novo para ser submetido à assembleia de credores, adiada por decisão do juiz da 7º Vara Empresarial do Rio, Fernando Viana, para 10 de novembro a pedido da Advocacia Geral da União (AGU).

Diante do tamanho da Oi e da impossibilidade de sair do conselho de administração da tele, uma proposta aceita por todos (bancos públicos e privados, detentores de bônus, fornecedores e agência reguladora, dentre outros), o governo assumiu para si a tarefa. O grupo de trabalho elabora um novo plano de RJ que contemplará a todos e poderá diluir o controle acionário.

Pelo menos três questões terão que ser resolvidas na recuperação: a desalavancagem da companhia, ter fluxo de caixa preservado para honrar as dívidas e ter recursos para bancar novos investimentos em um setor onde a tecnologia avança a passos largos. Só uma solução abrangente vai viabilizar a empresa, que precisa de urgente capitalização.

Hoje a ministra Grace Mendonça, da AGU, receberá a minuta do plano. Ela, que coordena o grupo, passará o fim de semana estudando as propostas e, na segunda feira, terá nova reunião com o grupo para checar as consequências economico-financeiras e jurídicas. Ainda na próxima semana Grace vai submeter duas alternativas de RJ ao presidente Michel Temer. Delas estarão fora a dívida da Anatel, que será negociada à parte e vai requerer uma medida legal para dar à empresa um prazo de pagamento de 12 anos ou de 20 anos. E deverá constar uma forma legal de "enquadrar" Tanure à condição de acionista minoritário, segundo fontes que participam da discussão.

Tanure esteve no início do mês com o presidente Michel Temer para pedir ajuda. Temer decidiu criar o grupo de trabalho com representantes de todas as áreas do governo com alguma ligação com a Oi (Anatel, bancos públicos credores, Ministério da Fazenda, Tesouro Nacional e AGU). O grupo não evoluiu na direção que o acionista minoritário queria.

A intervenção no comando e na operação da Oi foi colocada como última opção, apesar de ter sido fortemente defendida pela Anatel. Houve uma razão objetiva para isso: a história mostra que sempre que o governo intervém em alguma empresa privada, a conta acaba no colo dos contribuintes sob a forma de bilionárias ações indenizatórias. "Vejam os casos da Vasp, da Varig ", argumentam os que, no governo, consideram essa a pior solução.

Os principais acionistas, dirigentes e credores da empresa já foram ouvidos pela AGU, exceto Tanure. O último plano de RJ, protocolado na justiça no dia 11, foi esmiuçado. Ele não é viável, na avaliação do grupo de trabalho.

A única dívida que não é passível de desconto é a produzida por multas da Anatel. A agência pesou a mão ao impor multas de algumas dezenas de milhões à Oi por ela ter, por exemplo, mandado um PDF em formato diferente do exigido pela Anatel ou por não ter consertado um orelhão no tempo determinado pela agência. Mas as multas já foram constituídas na RJ e não cabe contestação.

Com a proximidade da conclusão do plano elaborado pelo poder concedente, nos últimos dias aumentou substancialmente a temperatura do caso Oi. Na quarta-feira houve uma reunião do conselho de administração onde os representantes de Tanure elevaram a pressão para que os conselheiros aceitassem de imediato os termos de um acordo que é "totalmente sem lógica", na definição de técnicos oficiais.

Foi dado prazo até hoje para que o conselho assine um PSA (Plan of Suport Agreement) - contrato em que o credor se compromete a apoiar o plano de recuperação judicial da empresa - concordando com um pagamento antecipado de cerca de R$ 560 milhões para os detentores de bônus da companhia a título de taxas e comissões ("fees"), antes mesmo que eles aportem capital no montante de R$ 3,5 bilhões. A proposta estabelece condicionantes que caso não se materializem deixariam os "bondholders" desobrigados do aporte de capital depois de embolsar as comissões. Mais estranho ainda é que só os credores ligados a Tanure receberiam esses "fees", o que significaria dar tratamento diferenciado para uma mesma classe de credores.

Diante dos riscos de uma destituição da diretoria e da aprovação dessa proposta pelo conselho, houve um corre-corre da Anatel e da AGU, ontem, para neutralizar as ofensivas do empresário. Logo cedo a Anatel convocou o presidente da Oi, Marco Schroeder, para uma reunião em Brasília. À tarde foi a vez do presidente do conselho da companhia, José Mauro Cunha Mettrau. No fim do dia, o presidente e alguns conselheiros da Anatel estiveram na AGU.

A estratégia do governo é manter um bom canal com o juiz Fernando Viana, preservar a diretoria da Oi e ter o plano de RJ apoiado por ela e aprovado pelo conselho. Será um extraordinário sinal para os investidores externos se o governo conseguir resolver um caso complexo como esse com segurança jurídica, avaliam fontes oficiais.

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