sábado, 21 de outubro de 2017

Presidente afirma que vai alterar portaria

Temer disse que nova instrução deverá incluir sugestões feitas pela procuradora-geral Raquel Dodge

Renata Mariz | O Globo

BRASÍLIA . Diante da repercussão negativa, o presidente Michel Temer admitiu ontem que fará alterações na portaria, editada na última segunda-feira, que dificultou a fiscalização do trabalho escravo no país. Em entrevista ao site Poder360, ele afirmou que foi convencido pelo ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, da necessidade editar a portaria depois de ter visto autos de infração apontando situações em que poderia haver abuso por parte dos fiscais.

Temer mostrou papéis nos quais um empregador foi autuado por colocar seus funcionários em condições degradantes de trabalho pela falta de uma saboneteira e suporte para toalha numa área de chuveiros, mas eram apenas duas entre 44 infrações. Segundo o presidente, o governo vai editar nova portaria incorporando sugestões feitas pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, com quem o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, esteve duas vezes desde que a portaria foi editada.

— Ele esteve duas vezes com ela e recebeu sugestões que ela fez. Ele está examinando as sugestões. É muito provável que incorpore várias — explicou Temer.

O presidente, porém, demonstrou desconhecer o conteúdo da própria portaria. Temer disse, por exemplo, que o texto do governo não impõe cerceamento de liberdade para configurar trabalho escravo, quando fiscais flagram condição degradante e de jornada exaustiva. “Não é isso que está na portaria”, afirmou Temer. “Não é só o direito de ir e vir, não. Direito de ir e vir está assegurado amplamente. Acho que nem tem sentido usar esse argumento. Não estou nem defendendo a portaria e nem condenando a portaria. Estou dizendo que ela está sofrendo objeções que es tão sendo analisadas”.

O texto da portaria, no entanto, é claro ao estabelecer jornada exaustiva como “submissão do trabalhador, contra a sua vontade e com privação de liberdade, a trabalho fora dos ditames legais aplicáveis à sua categoria”. Já a condição degradante é caracterizada por “atos comissivos de violação dos direitos fundamentais da pessoa do trabalhador, consubstanciados no cerceamento da liberdade de ir e vir”.

Temer também contou outra meia verdade ao ser confrontado com a informação de que Raquel Dodge pediu a revogação da portaria. “Não, não. Ele [ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira] esteve duas vezes com ela e recebeu sugestões que ela fez. Ele está examinando as sugestões”. Porém, comunicado oficial da PGR desta semana informou: “Nesta quarta-feira (18), Raquel Dodge recebeu o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, quando oficializou pedido de revogação da portaria”.

PREOCUPAÇÃO NA ONU
O presidente anunciou ainda que a Polícia Federal vai cuidar dos crimes referentes a trabalho escravo dentro das novas normas do governo. Entretanto, atualmente, todos os relatórios de fiscalização das ações já são enviados à PF, que tem competência para tratar do âmbito criminal das infrações, além de Ministério Público Federal e Ministério Público do Trabalho.

A Organização das Nações Unidas (ONU) no Brasil divulgou nota em que manifesta “profunda preocupação” com a portaria. “A ONU reconhece o alinhamento do conceito brasileiro de trabalho escravo, definido no artigo 149 do Código Penal, às normas internacionais. (...) Recomenda que eventuais alterações nessa definição envolvam debates mais amplos e profundos junto a todos os segmentos interessados. (...)
Segundo as Nações Unidas, no Brasil, muitos casos ocorrem de forma velada, como o trabalho escravo em fazendas, fábricas e domicílios.

“Somente com uma legislação precisa e fiscalização eficaz é possível enfrentar com determinação esta ameaça. Nas últimas décadas, o Brasil construiu essa legislação e executou políticas públicas de combate ao trabalho escravo que se tornaram referência mundial, mas que agora estão sujeitas a alterações pela nova portaria".

As centrais sindicais, entre elas CUT e Força Sindical, também protestaram contra a portaria, afirmando que a decisão atende a “interesses espúrios de uma pequena parcela de maus empresários, principalmente do setor ruralista e do agronegócio".

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