domingo, 15 de outubro de 2017

Reforço à tropa – Editorial | Folha de S. Paulo

Embora a violência figure há anos entre as principais aflições dos brasileiros, as políticas de segurança pública avançam à base de espasmos, não raro em mera reação a episódios traumáticos.

Foi somente em 2000 que o governo federal passou a atuar de modo mais palpável no setor -na época, precipitou-se o lançamento de um plano nacional devido ao famigerado sequestro do ônibus 174, no qual a ação desastrada da polícia do Rio de Janeiro resultou em tragédia.

Mais recentemente, uma onda de massacres em presídios levou o presidente Michel Temer (PMDB) a anunciar no início deste ano novo pacote de medidas, que em grande parte reciclava propostas que circularam nas últimas duas décadas.

O destino mais comum de tais iniciativas tem sido a vala comum da descontinuidade administrativa, das carências orçamentárias e da dispersão de esforços.

Tome-se o exemplo do objetivo, estabelecido sob Temer, de ampliar de pouco mais de 1.000 para 7.000 o efetivo mobilizado da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP), tropa instituída em 2004 e composta, em sua maioria, por policiais militares e civis e bombeiros cedidos em caráter temporário pelos governos estaduais.

Tratava-se de prioridade para o ex-ministro da Justiça Alexandre de Moraes, que deixou o cargo em fevereiro rumo ao Supremo Tribunal Federal. Estamos em outubro, a pasta já conhece o terceiro titular em 2017, e a meta foi esquecida.

Há três meses, coordenador da FNSP escreveu memorando dando conta de que a escassez de verbas poderia levar à desmobilização da maior parte do contingente.

Parece ter havido progressos, de todo modo. Mas desordenados: 13 anos depois de criada, a Força Nacional ainda não assumiu o protagonismo que deveria.

Seu orçamento, modesto diante das dimensões da despesa da União, mereceu aumento substantivo neste ano, chegando aos R$ 537 milhões -quase o quádruplo do montante desembolsado em 2016.

Entretanto os recursos foram alvo de bloqueios de gastos promovidos pela área econômica, em razão do desempenho pífio da arrecadação e do estado calamitoso das contas do Tesouro Nacional.

Até aqui, os desembolsos mal passaram dos R$ 150 milhões. Afirma-se no governo que quase todo o restante estará liberado até dezembro; já as perspectivas para 2018 são incertas.

Elevou-se o efetivo mobilizado para cerca de 2.200 homens, bem abaixo do almejado de início. Para ampliar o quadro à disposição da FNSP, o governo recorreu a expedientes heterodoxos.

Por meio de medida provisória ainda em tramitação no Congresso, autorizou-se o ingresso de servidores públicos aposentados há menos de cinco anos, para tarefas administrativas, e de militares inativos pelo mesmo período.

Tal improviso buscou contornar dificuldades das unidades federativas em ceder mais policiais para a tropa. Mas está muito longe de ser solução satisfatória.

Faz-se hora de planejar a transformação da Força Nacional em carreira regular do serviço público, destinada a profissionais de elite.

Essa instituição se mostra mais talhada para intervir, de forma pontual, em momentos de emergência -papel que as Forças Armadas têm assumido com frequência indesejável, sem vocação para tal.

Fora o risco de contaminação no contato com o mundo do crime, a falta de treinamento adequado para situações de policiamento representa riscos para a população.

Reflexo de tal distorção é o projeto, patrocinado pelo Palácio do Planalto e recém-aprovado pelo Legislativo, que transfere à Justiça Militar a atribuição de julgar soldados e oficiais acusados de crimes dolosos contra civis em operações de garantia da ordem.

Estruturar uma FNSP de caráter permanente implica, decerto, desafios ao erário. Hoje, o gasto federal com o contingente se concentra no pagamento de diárias, que elevam a remuneração dos profissionais cedidos, e alguma compra de equipamentos. Se criada uma nova carreira, haverá salários e aposentadorias a pagar.

Pode-se pensar, no entanto, em remanejamentos dentro do dispêndio total em segurança pública, que está em torno de R$ 9 bilhões anuais na União e mais de R$ 70 bilhões nos Estados.

O cenário de severa restrição orçamentária, que sem dúvida persistirá nos próximos anos, exige reformas na gestão e escolha de prioridades; o combate ao crime certamente precisa estar entre elas.

Nenhum comentário: