segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Regressão ao mínimo – Editorial | Folha de S. Paulo

Há apenas dois meses, o governo Michel Temer (PMDB) anunciava um grande pacote de privatizações a fim de reafirmar seus propósitos reformistas. O plano ambicioso surgiu depois da notícia de que o deficit das contas públicas ultrapassaria as previsões, exigindo novas medidas de corte de gastos e elevação de receitas.

Nestes dias que antecedem a votação da segunda denúncia contra o presidente, contudo, o programa de desestatização se esfarela —e há grande risco de o rombo orçamentário ser ainda maior.

Em troca de precária sobrevivência política, o presidente deve reduzir as metas de concessão de aeroportos a mera sugestão para o próximo governo. É incerto o destino das demais privatizações.

Quanto às contas do Tesouro Nacional, parlamentares governistas declaram que dificilmente serão aprovadas propostas centrais do Executivo como o adiamento do reajuste salarial de servidores, o aumento de alíquota de contribuição previdenciária do funcionalismo e altas pontuais de tributos.

Dessa maneira, o ímpeto reformista vai dando lugar ao mínimo comum da política e da administração brasileira. Em seus achaques de fisiologia, o governo promete manter os cabides estatais para seus aliados, de aeroportos a empresas do setor elétrico.

Parte da coalizão situacionista, recorde-se, desde logo se opunha à privatização da Eletrobras, vaca sagrada do empreguismo e da gestão inepta da coisa pública.

Sério risco corre também a imprescindível reforma da Previdência, que depende de 60% dos votos na Câmara dos Deputados e no Senado. Fala-se em limitar o texto a poucas alterações mais essenciais, como a idade mínima para as aposentadorias. Nem isso, entretanto, parece bem encaminhado.

Nesse cenário, a incipiente recuperação da economia contribui para a acomodação geral. A queda da inflação e dos juros estimula o consumo, o que permite a reversão do ciclo recessivo mesmo sem a volta da confiança e dos investimentos das empresas.

Perde-se, assim, o senso de urgência que deu andamento à agenda virtuosa de ajustes depois do impeachment de Dilma Rousseff (PT).

Não avançaram por convicções do mundo político, afinal, providências como o teto para o gasto público, o redesenho da CLT e a eliminação gradual dos subsídios nos financiamentos do BNDES, banco federal de fomento.

A fim de salvar a própria cabeça, Temer pode esvaziar o que resta de sentido em seu governo. Longe de ter superado o colapso orçamentário que o paralisa há três anos, o país se vê entregue, sem mais, a uma organização de sanguessugas.

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