quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Vende-se capitalismo vermelho | Clóvis Rossi

- Folha de S. Paulo

O discurso com que Xi Jinping abriu o 19º Congresso do Partido Comunista Chinês nesta quarta (18) representa de certa maneira a oferta ao mundo do que Fraser Howie, especialista em China, batizou em livro de "Capitalismo Vermelho".

Depois que o capitalismo derrotou o comunismo, sobraram, a rigor, dois modelos na vitrina planetária: a democracia capitalista liberal do Ocidente e a ditadura mais ou menos capitalista da China.

No seu discurso, o líder chinês prefere anunciar a China dos próximos 30 anos como "um grande país socialista moderno", o que seria, segundo ele, "o sonho chinês". Contraponto inevitável ao "sonho americano", que Donald Trump está transformando em pesadelo.

Na retórica, o sonho é fascinante: até 2050, a China se transformará em "um líder global de abrangente força nacional e de influência internacional", seguindo as regras da lei, abrigando companhias inovadoras, limpando o ambiente, expandindo a classe média, oferecendo transporte público adequado e reduzindo a desigualdade entre as áreas urbanas e rural.

Eu compraria alegremente o pacote, se ele não contivesse também a ditadura de partido único —aliás, reforçada no discurso.

Ditaduras são sempre abomináveis, qualquer que seja a sua coloração.

A questão seguinte é saber se o "capitalismo vermelho" é sustentável e se caminhará doravante para ser mais capitalismo ou para ser mais vermelho.

A fala de Xi Jinping não permite adivinhar. Não desfaz a "importante contradição" que já apareceu em documento oficial de 2013, como analisa Yukon Huang, pesquisador sênior do Programa para a Ásia do Carnegie Center:

"O documento afirma que o mercado deve desempenhar um papel 'decisivo' na alocação de recursos, mas também reafirma que o Estado deve continuar a desempenhar um 'papel de liderança' na direção da economia".

Essa contradição se torna ainda mais importante e de maior repercussão global quando a China de Xi Jinping se apresenta, como o fez no Fórum Econômico Mundial em Davos em janeiro, como campeã da globalização, do livre comércio e também do acordo de Paris sobre mudança climática.

Registrei à época: "Não deixa de ser uma evidência dos tempos convulsos que o mundo atravessa o fato de que um líder dos Estados Unidos [Donald Trump], país que pode ser considerado o pai da globalização e do livre comércio, seja contestado pelo dirigente de uma China que, faz apenas 38 anos, era um país fechado".

Até aqui, a globalização foi sinônimo de mais mercado e menos Estado.

A China está nadando de braçada nela, mesmo com sua mescla de "papel decisivo do mercado" com "economia guiada pelo Estado". Estende seus tentáculos mais e mais: o programa batizado de Nova Rota da Seda (ou "Belt and Road Initiative") vai investir bilhões de dólares no exterior em ferrovias, portos, energia elétrica e outras infraestruturas.

Não deixa de ser a concretude do que Xi Jinping batizou nesta quarta-feira de "sonho chinês", justo na hora em que os EUA caem na retranca e truncam o "sonho americano". Qual deles será predominante em 2050?

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