domingo, 26 de novembro de 2017

A falência do Rio: Editorial/Folha de S. Paulo

Nas palavras da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, o Rio de Janeiro vive um "clima de terra sem lei". Para o juiz Sergio Moro, da Lava Jato, trata-se do exemplo mais visível de corrupção sistêmica no país.

Ao puxar o fio da investigação de contratos da Petrobras, descobriu-se no segundo Estado mais rico da Federação, de acordo com o magistrado, "um esquema mais complexo e abrangente".

No entender da Polícia Federal, opera no Rio uma "grande confraria do crime organizado", que seria mantida por agentes dos poderes Executivo e Legislativo em conluio com empresários ligados principalmente à construção civil e ao setor de transporte de passageiros.

Assim como as descrições superlativas, amplia-se também em ritmo acelerado o rol de protagonistas das últimas administrações fluminenses submetidos a regimes diversos de encarceramento.

Além do ex-governador Sérgio Cabral (PMDB), condenado por lavagem de dinheiro, corrupção passiva e associação criminosa, estão atrás das grades os deputados estaduais peemedebistas Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi.

A relação inclui ainda os ex-secretários de Estado Régis Fichtner (Casa Civil), Wilson Carlos (Governo), Hudson Braga (Obras) e Sérgio Côrtes (Saúde); também retornou à prisão o empresário de transportes Jacob Barata Filho, que havia se beneficiado de uma decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal.

Por acusações outras, chegaram recentemente ao grupo de presos os ex-governadores Anthony e Rosinha Garotinho, hoje no PR.

A presença na lista de três ex-chefes do Executivo e três ex-presidentes da Assembleia Legislativa (Melo, Picciani e o próprio Cabral) expõe um quadro crítico de deterioração do poder público estadual.

Decerto que, para cada caso em particular, é preciso recomendar os cuidados com a prudência jurídica e o princípio da presunção da inocência. Entretanto os rastros da corrupção generalizada são por demais explícitos; os desmandos não poderiam ter tamanho alcance sem a conivência e a participação de autoridades elevadas.

De tão escandaloso, o descalabro moral não raro se confunde com a irresponsabilidade administrativa e orçamentária que arruinou as finanças fluminenses e comprometeu a prestação de serviços básicos à população.

Em comum, ambos receberam o impulso da ilusão de fartura provocada, ao final da década passada e no início desta, pela alta dos preços do petróleo e seus efeitos na arrecadação estadual.

Como se tal prosperidade fosse duradoura, o governo Cabral elevou despesas e criou benefícios de caráter permanente —mais salários, aposentadorias, subsídios e incentivos tributários.

A receita bruta do Rio, em valores corrigidos, chegou a um pico R$ 71,2 bilhões em 2013; já naquele ano, porém, o montante era insuficiente para cobrir todos os gastos com pessoal, custeio e investimentos. Encerrada a euforia petrolífera, os cofres do Estado contaram com não mais que R$ 54,8 bilhões no ano passado.

Em consequência da incúria, o Estado se vê em um quadro falimentar que se destaca até na penúria geral do setor público brasileiro. Suas despesas com o funcionalismo atingiram 74,7% da receita anual, percentual só inferior ao de Minas Gerais (78,8%, nos cálculos do Tesouro Nacional).

Suas dívidas, também em 2016, chegaram a 234% da arrecadação, maior patamar entre os governos estaduais e acima do limite máximo de 200% fixado na legislação.

O colapso, no entanto, vai muito além das cifras da contabilidade. O encolhimento das verbas afetou todas as áreas, do atendimento médico ao ensino superior, e mostrou efeitos particularmente dramáticos na segurança pública.

Evaporaram-se as melhoras conseguidas em anos anteriores com iniciativas como as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Os índices de mortes violentas, já consideravelmente acima da média nacional, vivem uma escalada.

As frequentes intervenções do Exército têm servido apenas para uma efêmera aparência de ordem, que logo se desfaz quando as tropas se retiram. Envolta em suspeitas de conluio com o narcotráfico, a Polícia Militar parece mais problema do que solução.

Compõe-se, dessa maneira, um cenário de derrocada política, econômica, social e institucional que exigirá penoso e incerto trabalho de reconstrução —uma demonstração dolorosa a todo o país de que governos podem, sim, quebrar.

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