quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Corrupção entra na campanha chilena

Favorito nas presidenciais, Piñera é criticado por compra de empresa falida

Janaína Figueiredo / O Globo

-BUENOS AIRES- Apesar de ser a terceira maior preocupação entre os chilenos — segundo pesquisas — a corrupção esteve ausente durante quase toda a campanha para as presidenciais do dia 19. O silêncio foi rompido no domingo passado, quando o favorito do pleito, o ex-presidente Sebastián Piñera, candidato da coalizão Chile Vamos, irritou-se num programa de TV ao ser perguntado sobre a menção de seu nome no livro “Empresários zumbis. A maior evasão tributária da elite chilena”, no qual os homens de negócios mais ricos do país são acusados de terem comprado empresas falidas para pagar menos impostos. A discussão entre o ex-chefe de Estado — dono de uma das maiores fortunas do Chile — e um grupo de jornalistas instalou o debate sobre a corrupção na mídia e nas redes sociais, na reta final de uma campanha sem grandes emoções e que, de acordo com a maioria das pesquisas, terminará com a vitória de Piñera.

O ex-presidente não conseguiria superar 50% mais um dos votos e o mais provável é que seja obrigado a disputar um segundo turno em dezembro contra seu rival mais forte, o senador e jornalista Alejandro Guillier, do movimento Força de Maioria (a centro-esquerda chilena terá quatro candidatos nesta eleição, e nenhum deles foi respaldado publicamente pela presidente Michelle Bachelet). Mesmo as denúncias surgidas nos últimos dias, apontaram analistas locais, não modificariam este cenário, apesar da importância dada pelos chilenos à corrupção.

LEGALIDADE VERSUS ÉTICA
De acordo com a pesquisa Latinobarômetro, hoje o ranking de prioridades da sociedade chilena é liderado por questões econômicas, entre elas o desemprego. Em segundo lugar está a insegurança e em terceiro, a corrupção. Nos últimos anos, vários escândalos contribuíram para elevar a importância do assunto, um deles envolvendo a nora de Bachelet, acusada de especulação imobiliária e acesso privilegiado a informações. Também sacudiram o sistema político acusações de suborno no Parlamento e financiamento ilegal de campanhas. No entanto, é surpreendente a escassa importância dada por todos os candidatos à Presidência a uma questão cada vez mais sensível.

— Hoje a corrupção está em terceiro lugar entre as principais preocupações da sociedade, com 12%. Mas não existe na classe política uma discussão sobre como combatê-la — disse ao GLOBO Marta Lagos, diretora da Latinobarômetro.

Marta lembrou que nos últimos tempos quatro senadores perderam a imunidade para serem julgados em diferentes casos de corrupção.

— No Chile, até mesmo a mídia fala pouco sobre a corrupção — lamentou a diretora, que considerou grave a maneira como o ex-presidente reagiu às denúncias: — Ele insistiu em dizer que não fez nada ilegal, mas aqui a questão é a ética que se espera de um presidente.

O livro que tanto incomoda Piñera esgotou-se na última Feira do Livro de Santiago, encerrada fim de semana passado, num claro sinal do interesse que existe no país em saber mais sobre como os grandes empresários construíram seus impérios, em muitos casos apelando para estratégias tributárias com um custo alto para os cofres públicos. Esse é exatamente o caso dos agora chamados “empresários zumbis”. A aquisição de companhias falidas — a grande maioria na década de 1980 — não era ilegal na época. Mas fazer isso para pagar menos tributos está sendo considerado por muitas pessoas uma jogada tributária imoral.

Que isso tenha sido feito por um ex-presidente que pretende — e tem grandes chances — de retornar ao Palácio de la Moneda provocou uma enxurrada de críticas ao candidato, que não convenceu com suas explicações.

— Era uma operação atraente... a empresa tinha cem anos de História — respondeu Piñera aos jornalistas no programa de TV “Tolerância Zero”.

CANSAÇO DA SOCIEDADE
“Mas atraente por quê?”, foi a insistente pergunta dos entrevistadores. O ex-presidente não conseguiu responder e suas evasivas, somadas a um estilo agressivo, foram duramente questionadas até mesmo pelo Colégio de Jornalistas do Chile: “As tentativas do candidato de minimizar o assunto descreditando os jornalistas, além de lamentáveis, são o reflexo de um profundo desconhecimento e desrespeito do papel profissional que devem cumprir os jornalistas.”

Juan Andrés Guzmán, que escreveu o livro junto com Jorge Rojas, explicou que com as operações, o ex-chefe de Estado pagou apenas 10% dos tributos que deveria ter pago. Segundo ele, “a economia, ou seja, a fraude ao Estado, foi milionária”.

— A classe média se preocupa, mas não reage. Esse é um problema complexo, relacionado ao cansaço da sociedade e à sensação de que, no fim das contas, todos os políticos são iguais. Temos um problema sistêmico de corrupção na política — concluiu o autor do livro que fez o ex-presidente e favorito das presidenciais perder as estribeiras.

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