quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Míriam Leitão: Avançar na ficção

- O Globo

O governo Michel Temer vai exibir hoje uma peça de ficção. Num tempo sem dinheiro para investimento, seu marketing, trabalhando sob a liderança do ministro Moreira Franco, preparou o PAC em versão temerária, com o nome de fantasia de “Avançar”. Eles vão alegar na divulgação que serão feitos investimentos de mais de R$ 130 bilhões e que vão “priorizar” sete mil projetos.

Os ficcionistas chegaram à conclusão de que é preciso criar uma agenda positiva. Aliás, a fórmula se repete em qualquer governo em crise. A ideia é que basta anunciar fatos positivos que a popularidade do governante vai se elevar. Os formuladores do plano tentarão jogar para o esquecimento a crise real do país que ainda está em ambiente recessivo, com alto desemprego, rombos sequenciais nas contas públicas e a aprovação do governo no rés do chão. O slogan é: “Agora, é avançar".

O governo está encrencado com o Orçamento porque ele traz um déficit de R$ 159 bilhões, mas essa “meta” só será atingida se forem aprovadas as medidas que foram enviadas para o Congresso onde há questões indigestas. A que tem chances de passar é a do adiamento do reajuste do salário dos servidores civis. A proposta de elevação da contribuição previdenciária dos servidores civis é bem menos provável. Além disso se conta com a privatização da Eletrobras que também depende de aprovação do projeto de lei que ainda nem foi enviado. Ou seja, para fechar no déficit almejado, o governo terá que se esforçar muito para aprovar as medidas.

Apesar de todas essas dificuldades, vai anunciar que seu plano é de investir mais de R$ 130 bilhões com recursos do Orçamento e do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. O ministro Moreira Franco pediu até um painel de LED para que a ficção brilhe e possa encantar os políticos para que eles queiram pegar alguma ponta em um desses projetos cenográficos na campanha do ano que vem.

O problema dessa ficção é que ela não é inédita, e pode até ser acusada de plágio. A ex-presidente Dilma tem a autoria do texto original e pode até apresentar um exame de DNA: ela era a mãe do PAC. Aqueles que ela anunciou e não realizou. Um dos truques era apresentar várias vezes as mesmas obras. Quando uma delas entrava no PAC e não andava, bastava anunciá-la no PAC II como se novo fosse. E agora muitos dos que aparecerão nesta quinta-feira serão reencarnações daquelas criaturas.

Serão três avatares, quer dizer, “avançares”. O avançar, o avançar cidades e o avançar energia. Até a ideia de usar o FGTS não é nova, como bem sabem Eduardo Cunha, Lúcio Funaro, Fábio Cleto, Geddel Vieira Lima, Joesley Batista e outros envolvidos no programa que avançou sobre o dinheiro do trabalhador através do FI-FGTS criado no período Lula-Dilma.

O governo Temer cortou até o osso os investimentos e a bem da verdade não por culpa só dele. Herdou de Dilma uma ruína fiscal, teve que evitar um déficit ainda maior do que o que ocorreu e por isso ele reduziu investimentos. Todo governo em apuros corta investimento porque é despesa sobre a qual o governo tem liberdade, o chamado gasto discricionário.

O investimento do governo federal nos últimos 12 meses até setembro foi de R$ 48 bilhões, segundo relatório do Tesouro. O valor é R$ 30 bilhões menor do que o do ano de 2014, em termos reais, e é o menor nível em 10 anos.

Se o governo incluir as estatais na sua conta, ficará mais fácil chegar aos R$ 130 bilhões, mas de novo será uma peça de ficção porque as estatais cortaram muito os investimentos e parte do que fazem é apenas para cobrir depreciação. O número parecerá grande, mas representa 2% do PIB.

Investimento é um conceito vago e que serve bem às obras de ficção. A ex-presidente Dilma considerava que as dívidas contraídas pelas famílias no Minha Casa, Minha Vida eram parte da conta para efeito dos anúncios espetaculosos no Planalto.

Nenhum daqueles anúncios evitou que o país despencasse na recessão. A realidade é que o governo vai mal, o déficit é enorme, e o governo tem algumas semanas para aprovar medidas que permitirão atingir a meta de um déficit maior do que o investimento que será anunciado hoje no PAC III, o avanço.

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