terça-feira, 28 de novembro de 2017

Míriam Leitão: Preparação difícil

- O Globo

A Eletrobras é uma das donas de Itaipu, não é apenas concessionária. Foi essa a realidade com que o governo se deparou na hora de desenhar o modelo de privatização da estatal. É por isso que a ideia é criar uma empresa “espelho" da Eletrobras que ficará com os dois ativos: a Eletronuclear, que pela Constituição não pode estar em mãos privadas, e a parte brasileira de Itaipu.

O jornal O GLOBO adiantou ontem, em reportagem de Manoel Ventura e Martha Beck, que o governo terá que criar uma empresa para privatizar outra, como está na minuta do projeto. Parece contraditório. E é. Mas a explicação dada na estatal é esta: a companhia não é uma mera concessionária.

— A Eletrobras é dona da usina. Itaipu tem uma particularidade. O regime que a gente tem hoje no Brasil é o de concessão, em que a empresa consegue o direito de explorar algum ativo por um determinado tempo. No caso específico de Itaipu, o regime não é de concessão. As empresas representam os países no tratado. E esse tratado estabelece um conjunto de condições que tem que ser levado em conta nos próximos anos — explica uma fonte da empresa.

Tudo está já decidido no tratado Brasil-Paraguai. A energia é dividida em duas partes iguais, mas o Paraguai tem que vender para o Brasil a eletricidade que não consome. A maneira de calcular o preço da tarifa, inclusive o repasse do custo cambial, também está no tratado. Mas tudo pode mudar a partir de 2023 quando o financiamento da obra estará pago. Não se sabe ainda quais serão as regras para a formação de preço a partir daquela data. Terá que ser uma decisão dos dois sócios. No tratado está escrito que Eletrobras no Brasil e a Ande no Paraguai representam os dois países. Imagine se esse ativo passa a ser de uma empresa privada? É por isso que não bastava tirar Itaipu da Eletrobras, era necessário criar esta estrutura estatal que passaria a ficar com o ativo. Duplica-se a estrutura de capital, ou seja, os acionistas da Eletrobras terão a mesma quantidade de ações da nova empresa, que ficará com Itaipu. Essa companhia não terá seu capital pulverizado e o minoritário seguirá uma regra de conversão.

Essa é uma das complexidades — existem várias — que estão sendo estudadas para estabelecer a modelagem definitiva da venda da empresa.

O que o governo está querendo é fazer da Eletrobras uma corporação como a Embraer, a Renner, a EDP. Só que a EDP foi integralmente privatizada. Por isso o projeto a limitar a 10% a parte das ações que pode ficar com um mesmo grupo, para que o capital seja de fato pulverizado e não apenas troque de dono, como nas privatizações que já ocorreram. O que se quer é atrair fundos de pensão, fundos de mercado emergente, fundos de infraestrutura. Um investidor que não pede retornos agressivos do investimento e que olha para o longo prazo.

O problema será atravessar todo o campo minado de lobbies em torno da empresa, representados no Congresso. Como a proposta da privatização será por Projeto de Lei, já se sabe que haverá várias modificações. O que sairá disso é difícil dizer, mas hoje os grupos regionais, mesmo da base do governo, querem que a empresa de cada região seja tratada diferentemente. Tem o lobby da Chesf, da Eletronorte, da Eletrosul, de Furnas. Tudo isso sendo discutido no Congresso em um ano eleitoral. O risco é virar um modelo de vendas desencontrado. Além das dificuldades que ocorrem em qualquer privatização, há também o fato de a Eletrobras ser a maior empresa de um setor que acumula hoje um volume impressionante de déficits em cada parte do sistema.

A defesa da privatização é feita, dentro do governo, com o argumento de que, para investir, a empresa teria que pedir aportes do Tesouro. O governo tem hoje 60% da Eletrobras; para levantar mais R$ 12 bilhões, algo como R$ 8 bi viriam dos cofres da União. A estatal depende do estado para crescer e o momento é de escassez de recursos. Por isso o caminho foi fazer o ajuste — cortando os custos e superando ineficiências — e preparar a empresa para a venda através de uma chamada de capital que o Tesouro não vai acompanhar. A pressão no Congresso, depois que chegar o Projeto de Lei, será para excluir algumas das subsidiárias regionais, separando-as da Eletrobras. Neste caso, haverá impasse e o processo de privatização tenderia a parar. Por isso no Congresso haverá quem jogue no impasse.

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