domingo, 12 de novembro de 2017

Sérgio Besserman Vianna: Centro vazio ou cheio

 - O Globo

Lula e Bolsonaro se alimentam de dicotomia falsa

É conhecida a metáfora do copo meio cheio ou meio vazio. Pois nas eleições de 2018, para escaparmos do populismo de direita ou de esquerda, uma boa metáfora seria nos perguntarmos se queremos um centro vazio de ideias e cheio de interesses ou cheio de conteúdo e visão de futuro e vazio daquilo que os brasileiros não suportam mais.

Em excelente artigo no “Estado de S.Paulo”, o professor Sergio Fausto tocou na ferida: “À direita se ouve: é preciso aumentar a produtividade da economia. À esquerda se ouve: é necessário reduzir a desigualdade social.” E corajosamente discorre sobre como, ao invés de se oporem, no Brasil, obrigatoriamente se complementam.

“Não é trivial criar uma narrativa eleitoralmente competitiva em torno de ideias de aumento da produtividade e redução da desigualdade”, conclui, e finaliza observando que, no entanto, “é o caminho para escapar das formulas fáceis e vazias do marketing eleitoral”.

Alvíssaras! Enquanto a corporação política opera para maximizar suas chances de reeleição e conduz o debate eleitoral para o ilusionismo marqueteiro cínico, Sergio desestabiliza a superficialidade rasa.

Em muitos países, essa dicotomia faz sentido, como um pêndulo cujo equilíbrio é justamente oscilar periodicamente de um lado a outro. Mas no Brasil não. Pelo menos, ainda não. Por quê? Conjunturalmente, após um ciclo de populismo com farta distribuição de recursos inexistentes, é preciso desentortar o cajado na direção de mais eficiência, meritocracia e produtividade. Estruturalmente, por outro lado, a desigualdade continua a ser a cicatriz mais profunda, dolorosa e hipócrita da sociedade brasileira. E é um estoque de séculos, sendo a desigualdade de renda apenas uma das dimensões de um cotidiano perversamente hierarquizado.

Mais produtividade é evidentemente essencial. E caminhar na direção de menos desigualdade é igualmente fundamental. Ou a legitimidade das instituições, condição para um mercado competitivo e, portanto, para uma cultura de aumento da produtividade, será uma impossibilidade.

Lula e Bolsonaro se alimentam dessa dicotomia, falsa no Brasil de hoje. Menos burocracia, personalismo, mais eficiência das políticas públicas e do aparelho de Estado e mais competitividade no funcionamento do mercado são fundamentais tanto na luta contra a desigualdade como para o aumento da produtividade.

E o acesso igualitário às políticas públicas, uma reforma tributária que arrecade mais dos ricos, a defesa dos direitos das minorias e do indivíduo frente ao Estado (marcadamente frente à violência policial fora dos marcos da lei) e o direito ao acesso ao conhecimento também são fundamentais na luta contra a desigualdade e para o aumento da produtividade.

Nessa etapa, não é nós contra eles. Deveria ser nós e eles contra o “mecanismo”, tão bem descrito pelo José Padilha. O Brasil não cabe mais nessa roupa.

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Sérgio Besserman Vianna é presidente do Instituto Jardim Botânico do Rio de Janeiro

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