quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Em Buenos Aires, OMC tenta driblar cerco dos EUA: Editorial/Valor Econômico

A Organização Mundial do Comércio chega à sua 11ª Reunião Ministerial cercada de interrogações quanto a seu futuro. Desde o início da grande crise financeira de 2008, a instituição conseguiu manter seu curso em meio ao temor de renovadas e intensas pressões protecionistas que, se esperava, adviriam da recessão global. O comércio internacional recuou e só agora parece retomar algo de seu ritmo anterior a 2008, o protecionismo nas transações comerciais teve algum avanço, modesto perto do potencial dado, mas novos e graves perigos se desenharam no horizonte. Eles desembocarão no encontro em Buenos Aires. "Não há convergência em nenhum tema", avisa Roberto Azevêdo, diretor-geral da OMC.

Amplas divergências e longos hiatos de decisões nas negociações globais são a regra, não a exceção, desde que a OMC foi criada em 1995. O impasse da Rodada Doha, iniciada em 2001 e nunca concluída, ronda suas reuniões. A ameaça dessa vez, porém, não vem envolta em debates técnicos sobre temas de comércio. Envolve o papel da instituição, seus objetivos e a maneira como arbitra conflitos - este último, um de seus maiores e reconhecidos trunfos.

A crise levou ao primeiro plano movimentos nacionalistas que culminaram com o afastamento do Reino Unido da União Europeia, tensões no bloco do euro com a ascensão de forças xenófobas. O evento decisivo foi a eleição de Donald Trump como presidente dos EUA, país propulsor das instituições multilaterais. Trump se move aos poucos para retirar poder de decisão, e financeiro, das instituições multilaterais nas quais a voz dos EUA não é predominante ou seu peso não é decisivo. Com sua plataforma de primazia para a América, Trump age segundo uma agenda claramente hostil ao multilateralismo. É um programa em tudo oposto à filosofia que originou a OMC.

A OMC está sendo minada pelos EUA por dentro e por fora. Os americanos não designaram ainda um embaixador para a instituição e tem se oposto à renovação dos integrantes do órgão de Apelação - a ponto de, com 4 membros restantes, ele se torne em breve incapaz de tomar decisões. Elas nem sempre foram favoráveis aos EUA e isto incomoda o imperial Trump. A OMC entrou na lista dos bodes expiatórios responsáveis pelo mal-estar do povo americano. "O multilateralismo foi longe demais, até um ponto em que está prejudicando os EUA e o crescimento mundial", disse David Malpass, subsecretário do Tesouro dos EUA.

A pressão americana obrigará, pelo sistema de decisão consensual, a que nenhuma declaração conjunta da reunião ministerial seja feita, porque os EUA não querem sequer que a OMC proclame, ainda que seja uma praxe, sua vocação multilateral, o que será um marco na história da organização. Se depender dos EUA, a OMC será um clube de debates, a julgar pelo que o representante comercial americano, Robert Lighthizer, prevê que deva ser o resultado do encontro de Buenos Aires. "Não defendemos uma reunião que busque grandes decisões ou resultados negociados significativos", disse.

Depois do primeiro acordo multilateral da OMC em Bali, o de facilitação de investimentos, e da proibição de subsídios à exportação agrícola obtida em Nairobi, a agenda da OMC reduziu suas ambições. Estão na pauta de Buenos Aires subsídios à pesca, que estimula a pesca predatória, redução de estoques e extinção de espécies, o subsídio aos programas de estoques públicos de bens agrícolas para segurança alimentar e criação de regras globais para o comércio eletrônico. Há várias propostas - e pouca convergência - sobre os dois primeiros temas e uma rejeição em diversos graus ao último ponto, no qual a Índia se alia a vários países, emergentes ou não, qualificando a discussão de prematura. A Índia, além disso, defende que nenhum ponto novo entre na agenda da organização antes que as pendências da Rodada Doha tenham sido resolvidas.

Na questão do estoque de alimentos, o Brasil, em conjunto com a União Europeia, propõe um teto de subsídio distorcivo do comércio relacionado ao valor da produção (ao contrário de um valor nominal, como querem Austrália e Nova Zelândia). Ele seria um pouco maior para os países em desenvolvimento e não existiria para os países mais pobres. Os estoques não poderiam, porém, ser desovados no mercado externo. O Brasil também apoia medidas que ponham fim à pesca predatória e irregular, em aliança com vários outros países.

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