quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Emprego, segurança e corrupção serão os grandes temas das eleições de 2018, diz FHC

Produzir com qualidade para o mercado global é um dos desafios da economia brasileira, afirma. 

Em entrevista exclusiva, o ex-presidente abre o jogo sobre temas como eleições, drogas, governo Temer e violência

- AméricaEconomia

Três questões serão fundamentais na eleição de 2018, define o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso: a primeira, “como sempre, é o bolso: salário, emprego”. A segunda é a segurança, e a terceira é a corrupção. Para FHC, o candidato à presidência escolhido pelo seu partido (PSDB) terá que fazer alianças e reunir forças políticas para formar “um centro popular democrático e progressista” capaz de vencer a disputa. “No quadro em que estamos, tudo vai depender muito da capacidade de o candidato expressar um sentimento que una. Não acho que o Brasil vá para o radicalismo”, diz.

A eleição do ano que vem foi um dos temas sobre os quais FHC falou na entrevista exclusiva que concedeu à AméricaEconomia na sede da fundação que leva seu nome, no centro de São Paulo. Violência, drogas e a nova realidade geopolítica e econômica global também estiveram na pauta, como você lê a seguir:

AméricaEconomia – O Brasil está reescrevendo seu modelo de gestão em termos de relações internacionais?

Fernando Henrique Cardoso – Vamos por partes. O Brasil cresceu fechado, com a ideologia de que a melhor maneira de se desenvolver era aumentando tarifas e ao mesmo tempo sendo exportador. Os grandes dínamos da economia brasileira foram a agricultura e a mineração de exportação. A transformação para o Brasil moderno, urbano e industrial foi feita a partir da visão de que deveríamos crescer mais autarquicamente – e crescemos, com a política de substituição de importações. Assim foi feita a indústria, ajudada sobretudo pela Segunda Guerra Mundial.

Como isso começou a mudar? Com o Juscelino Kubitschek [1956-61], porque o Getúlio Vargas [1930-45; 1951-54] fez o que tinha que ser feito, com capital estatal e empréstimos lá fora. JK tinha outra proposta e fez a indústria automobilística, por exemplo, com o capital estrangeiro dirigido para o consumo doméstico. O mercado interno era o motor da industrialização na época.
Os militares também tinham o espírito de uma economia fechada. Mas o mundo mudou. Dos anos 70 em diante, há os efeitos das novas tecnologias e da desconcentração: passa-se a produzir em qualquer lugar do mundo. Vem o fenômeno da mundialização ou globalização, e nós ficamos um pouco afastados disso.

• No Rio, as facções já têm influência sobre os partidos. Começa a haver o acasalamento entre o crime e a política que aconteceu em outros países. Em São Paulo, o domínio do PCC dá a ilusão de que a situação está mais controlada

O Fernando Collor [1990-92] abre abruptamente a economia. A seguir, há o tumulto que levou ao seu impeachment, e chegamos Itamar Franco [1992-95] e eu como ministro da Fazenda. O que tentamos fazer? Integrar o Brasil na economia global, não só exportando matéria-prima, mas também fazendo produtos industriais que pudessem ser exportados. Foi muito difícil ajustar a economia brasileira àquele cenário, porque os interesses nacionais jogam no tabuleiro global. Antigamente você defendia os interesses nacionais fechando a economia. No novo mundo ela está aberta. Como se defendem então os interesses nacionais?

AE – Como o senhor avalia o que foi feito nessa área no governo do seu sucessor?

FHC – No começo ele não mudou muito a política, sobretudo o que tínhamos feito depois de 1999 – com câmbio flutuante, metas de inflação e responsabilidade fiscal. Mais ou menos seguiu esse rumo, até que veio o boom chinês, o que aumentou muito o valor das matérias-primas. O Brasil teve uma bonança muito grande.

Era um momento em que poderíamos ter aproveitado essa bonança para integrar mais nossa economia no mundo. Mas houve uma mudança de orientação quando foi derrubado o Antonio Palocci [março de 2006]. Qual era ela? A ideia de uma nova matriz econômica, que começa no governo Lula [2003-2010] e se expande no governo da Dilma Rousseff [2011-2016], era de voltar à ideia de fechar um pouco e, digamos, incentivar o mercado interno. Ou seja, dar crédito, incentivar o consumo, não prestar muita atenção à questão da responsabilidade fiscal e pau na máquina.

A economia cresceu – não é difícil fazer uma economia crescer com crédito, mas depois, se não houver equilíbrio, isso para. O que aconteceu com o Brasil é que a partir desse momento do governo Lula em diante o carro saiu do trilho. Agora o governo está tentando colocar no trilho de novo, com muita dificuldade. Retomar temas de responsabilidade fiscal e de reforma num governo que tem baixa popularidade é difícil.

Mas o grande equívoco é que essa foi uma crise produzida por nós. As do passado eram crises internacionais que chegavam aqui. Agora não, foi falta de controle interno. Deu no que deu, esse desastre em que estamos.

AE – Houve um momento em que a Economist escreveu que, enquanto a Ásia aproveitava essa bonança para construir fábricas, o Brasil e a América Latina construíam shoppings.

FHC – É preciso chamar a atenção para o seguinte: no início, as multinacionais vieram para cá para usar o mercado interno – no caso dos automóveis, por exemplo, havia muito incentivo para que elas fabricassem aqui, com foco no mercado interno. Com essa nova crise, tiveram que exportar. Qual a diferença? Quando você tem uma produção para o mercado interno, a qualidade do produto não é global. Quando é para exportação, tem que ser global.

Ainda não engatamos inteiramente nessa nova maneira de produção. A China engatou. Nós pensamos que o motor seria só o mercado interno. Não é. Acabou essa diferenciação. Claro que o mercado interno é bom, atrai capital e tem consumo – mas, se você ficar só nele, pode estagnar. Essa é a nossa questão agora. Não sei se as pessoas têm consciência total disso.

AE – O seu partido percebe isso?

FHC – Os economistas do meu partido veem e percebem claramente onde está o problema e o que se tem que fazer. Agora, os políticos não têm a mesma noção. Nunca tiveram, mesmo nos meus mandatos. Ali não foi o partido – foi o meu governo, que é uma coisa diferente. Claro que o partido apoiou, mas ideologicamente não comprou o projeto com energia. Nas minhas memórias [Diários da Presidência], falo por exemplo do [ex-deputado] Arnaldo Madeira. Como ele, alguns entenderam do que se tratava. Outros ficaram com medo do PT e acharam que tudo o que estava se fazendo era contra o interesse nacional, então não defendiam. Vamos ver o que vai acontecer daqui para a frente.

AE – Qual a sua hipótese?

FHC – O que está acontecendo hoje? Na Guerra Fria, o Henry Kissinger [secretário de Estado norte-americano de 1973 a 1977] pensou globalmente e, mesmo com Richard Nixon como presidente, os Estados Unidos entenderam que tinham que fazer um certo entendimento com a China. Isso deu alguma tranquilidade de expansão ao mundo e a Europa se integrou. Nós ficamos um pouco à margem disso, com a ideia de que tínhamos que nos integrar no Mercosul, enquanto a proposta da zona de livre comércio norte-americana foi rechaçada pelos empresários e pelo governo.

Agora estamos entrando em outra fase porque o Donald Trump tem uma visão mais à antiga: back to America first, ou seja, back, de volta. A Europa, que estava se integrando, tem o Brexit. O tabuleiro do mundo está balançando. A China está surfando nisso: começa a se aproximar da Europa e da Rússia, coisa que nunca fez, e agora tem a política do One Belt One Road [projeto de cooperação econômica entre China, Ásia Central e Europa].

É um momento em que o Brasil precisa entender o jogo estratégico do mundo para tirar vantagem disso. O futuro vai depender de entender que o mundo que vai existir não é o mesmo de antes, porque a China passou a existir; a Europa, que parecia que iria se integrar, está se desintegrando; e os Estados Unidos estão se voltando sobre si mesmos. Temos que ver como vamos jogar nesse tabuleiro.

AE – Quando presidente, o senhor participou de encontros do Fórum Econômico Mundial em Davos, e em março a edição latino-americana será realizada em São Paulo. Qual a importância de um homem público do país sair para conversar com o mundo?

FHC – É muito importante ir ao mundo sem complexos. O Lula fez isso, mas com arrogância, como se o Brasil já participasse do círculo dos grandes. Nas minhas memórias relato como eu falava com todos os líderes do mundo com naturalidade. De alguns deles sou amigo até hoje. Mas eu sabia o que era o Brasil.

Como podemos nos fortalecer dentro do grande jogo do mundo? É na América do Sul. E note que estou falando em América do Sul, não América Latina, porque é muito mais complicado pensar em Caribe, América Central e mesmo México – que fez todo o seu jogo pensando nos Estados Unidos, e agora o Trump está puxando esse tapete.

No tempo dos governos Lula e Dilma, ficamos arrogantes no mundo e ineficientes na América do Sul e deixamos a Venezuela crescer. Agora abre-se a possibilidade de o Brasil voltar a ter um papel no mundo na medida em que seja líder regional. O que fizeram o Lula e o [ex-chanceler] Celso Amorim? Foram se meter na questão do Irã. Não temos cartas para jogar lá, mas para jogar aqui.

AE – Uma das causas em que o senhor se engajou depois da presidência foi a discussão sobre as drogas. Como se deu esse processo?

FHC – Eu tenho muita experiência de vida na América Latina. Morei no Chile, fui ao México muitas vezes e sou amigo de muita gente de lá. Na Colômbia ajudei muito o Andres Pastrana [presidente de 1998-2002] e falei com o Bill Clinton [presidente dos EUA de 1993 a 2000] sobre o que a criminalização das drogas fez nesses países. A criminalização levou a que cartéis de drogas tomassem conta de parte da política, o que foi um desastre. Nos Estados Unidos, percebi que o Departamento de Estado tinha uma visão diferente da DEA, a agência de repressão ao tráfico, e defendia que ou se mudava a política, ou a “guerra às drogas” seria perdida.

Sou amigo do [investidor] George Soros e certa vez, por volta de 2003, passei um fim de semana na casa dele com minha família. Conversamos bastante e ele me convidou para um debate sobre a questão das drogas. Ele tem uma posição muito aberta sobre essa matéria, e eu comecei a entender que ou se muda o modo de encarar a política de drogas, ou corre-se o risco de arruinar a democracia, como aconteceu na Colômbia, no México e agora está acontecendo aqui. Criamos uma Comissão Mundial sobre Drogas, da qual fui presidente. Ela era composta basicamente por antigos presidentes e ministros de vários países, além de lideranças como [o ex-secretário-geral da ONU] Kofi Annan, [o escritor mexicano] Carlos Fuentes e várias personalidades que entendiam que era necessário modificar essa posição. Fui a muitos países em função dessa comissão global, e fizemos um filme, Quebrando o tabu, que seguiu como projeto e hoje tem 8 milhões de seguidores no Facebook.

Em Portugal aprendi muito. É verdade que é um país pequeno e as coisas são mais fáceis do que aqui. Conversei com o ministro e o coordenador da política de drogas, que me disseram que não dá para distinguir drogas fracas e fortes. Todas são ruins – é como o cigarro. Aprendi muito sobre isso também com a Gro Brundtland, que foi primeira-ministra da Noruega e diretora-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS). Conversamos muito sobre o cigarro quando eu era presidente porque queríamos reduzir o consumo no Brasil, e ela havia trabalhado muito com esse assunto na OMS. O que se faz? Proibição ou campanhas? Se vem proibição, acontece como no caso das drogas e criam-se mercados paralelos. Fizemos campanhas, tivemos as leis que proíbem o fumo em ambientes fechados e houve grande redução do número de fumantes no Brasil. Com a droga você tem que fazer algo parecido.

AE – De que forma?

FHC – A droga faz mal e é preciso combatê-la, mas isso não significa colocar na cadeia quem consome e nem mesmo o pequeno traficante, porque isso só piora a situação. Temos que dar instrumentos educacionais e criar políticas. Isso leva tempo. Em Portugal, a pessoa não vai para a cadeia e não é registrada na Justiça com infratora. Vi como funciona: há um tribunal administrativo com médico, psicólogo etc. para tentar tirar a pessoa do consumo. Você não a coloca no sistema criminal, porque, uma vez que isso acontece, a pessoa está perdida.

AE – Em São Paulo temos a questão dramática do crack, que estava muito localizado no centro e agora parece ter se espalhado. Como o senhor avalia o programa da prefeitura?

FHC – Eu não tenho acompanhado e não sei se a internação compulsória funciona – mas o crack é uma tragédia. Não há nenhuma sociedade que não use drogas, e é preciso entender que isso não vai acabar. Precisamos conviver com essa realidade e tentar diminuir o consumo, convencendo as pessoas a não usar. Isso começa cedo – mas não temos nas escolas campanha nenhuma sobre drogas. No Brasil o consumo é livre na mão do tráfico. Isso é uma tragédia.

É melhor regulamentar do que proibir. Hoje o problema maior não é nem a droga: é a arma do traficante. A tragédia do Rio de Janeiro é que os traficantes estão armados para ter o controle do mercado, do consumo e do território.

AE – Como o senhor avalia a situação do estado de São Paulo em relação ao crime organizado?

FHC – Em São Paulo há uma grande diferença em relação aos outros estados porque existe o domínio de uma grande organização, o PCC, o que dá às vezes a ilusão de que aqui há uma situação mais controlada. No Rio, por exemplo, as facções brigam entre si. Fui há uns dois anos à Favela da Maré com a minha mulher para um evento. Na hora de ir embora, me disseram que não iríamos sozinhos. Mandaram comigo um sujeito que era um armário de forte. Fomos conversando e eu disse: “está tudo calmo por aqui”. Ele respondeu: “Calmo? Na semana passada morreram cinco”. Como assim? – eu perguntei. “Porque aqui tem quatro organizações: Amigos dos Amigos, Comando Vermelho, milícia e Bope” – ou seja, o Bope, que é da Polícia, para eles é uma organização também. Quando eles brigam, é na base de tiro e morte. E por quê? As grandes brigas que estamos vendo em Manaus, Roraima, Natal etc. são entre o PCC e outros grupos para ver quem controla o tráfico, inclusive as rotas internacionais.

Então não é que o crime seja um risco: a situação já está aí e é grave. E o problema não é só na rua, é dentro dos presídios. Aqui houve a decisão de construir presídios no interior, e é o PCC que propicia a ida das famílias para as visitas nas cidades distantes. O PCC passou a ser uma organização que tem também o apoio das famílias dos presos.

AE – O senhor acredita que o PCC pode vir a seguir um caminho como as FARC [Forças Armadas Revolucionária da Colômbia]?

FHC – Como as FARC, acho que não. Mas no Rio as facções já têm influência sobre partidos. Começa a haver o acasalamento entre o crime e a política que aconteceu em outros países. Estamos numa situação perigosa. A questão da segurança hoje não é retórica, é real – e não se trata da segurança do rico, que pode ter guarda-costas, automóvel blindado etc.; é o pobre que tem medo. Isso tudo está criando um quadro psicossocial, como se dizia no passado, perigoso. Por que quem fala em matar criminosos começa a ter prestígio no Brasil? Porque as pessoas estão com medo.

AE – Isso favorece a radicalização do discurso para o cenário eleitoral do ano que vem?

FHC – Complica mais. Por causa do regime autoritário, as forças democráticas têm pudor de falar em segurança – mas não estamos mais na mesma situação de antes. Não se trata da repressão política, como no passado: agora é segurança para a população.
Três questões serão fundamentais na eleição – uma, como sempre, é o bolso: salário, emprego etc. A segunda é a segurança, e a outra é a questão ética, envolvendo a corrupção. A campanha que vem aí será centrada nessas três áreas.

AE – O senhor já declarou que o presidente Temer estava numa pinguela. Como ele está agora?

FHC – Acho que ele está atravessando a pinguela. A pinguela não era ele, mas a situação. O que acho que o Temer fez? Entendeu que o problema dele é com a história, não com a eleição, e nessa relação ele tem que fazer o que tem que ser feito, não o que dá popularidade.

Ele está tentando aprovar no Congresso medidas importantes: mudar a lei do petróleo no sentido correto, aprovar o teto de gastos, reforçar a responsabilidade fiscal, botar em ordem a Petrobras e a Eletrobras, está tentando a reforma previdenciária... Ou seja, está tentando atravessar a pinguela. O que prejudica o Temer? A questão moral, o entorno etc. A avaliação da história não sei qual vai ser, mas eventualmente esses dados todos vão ser resgatados. Isso não quer dizer que o PMDB tenha chance de ganhar a eleição.

AE – O senhor não acha que houve um exagero da força-tarefa da Lava Jato?

FHC – Não foi ela que fez, mas sim a mídia, para chamar a atenção para os fatos. E há um lado que a gente precisa reconhecer: nunca houve no Brasil tanta gente poderosa na cadeia como agora, sejam empresários ou políticos. Isso é novo, e é consequência de que foi destampada a panela. Qual é a panela? A transformação da corrupção em alguma coisa sistemática, e isso é responsabilidade direta do PT. Você pode dizer que sempre houve corrupção no Brasil, mas eram desvios pessoais de conduta. Nesse caso não. Era uma organização que implica empresários e empresas do Estado em acordos com o Estado para beneficiar partidos e pessoas de uma maneira generalizada. Isso é muito grave. A Lava Jato permitiu que se visse isso, e então as pessoas ficaram assustadas.

Provavelmente há exageros, mas temos um problema grave no Brasil: a Justiça é muito lenta. Então as pessoas começam a querer andar mais depressa, e há essa sensação de que os justiceiros vêm aí, o que é ruim. É preciso ter uma Justiça mais célere e que separe o joio do trigo. Mas o povo está dizendo: “pelo menos estão botando na cadeia”. E está feliz com isso.

AE – A eleição do ano que vem pode ter alguma semelhança com a de 1989 e ensejar a aparição de uma figura do tipo salvador da pátria?

FHC – Até pode. O Collor não era um outsider – ele tinha sido deputado, prefeito, governador... Nunca houve aqui um outsider propriamente que tenha vingado como presidente. Se olharmos as pesquisas de opinião hoje, aparecem os juízes – mas eles não serão candidatos. E, como não são políticos, teriam dificuldade de governar. Governar é mais complicado do que simplesmente ter boa vontade. É preciso conhecer os mecanismos e uma série de coisas.

Neste momento, por causa do clima político, as pessoas imaginam que possa haver um salvador. Com o tempo, e quando houver a politização real na campanha, a população não vai optar por isso.

AE – Como o senhor vê a atuação do governador Geraldo Alckmin?

FHC – O Geraldo tem as seguintes qualidades para o clima atual: primeiro, ele é um homem simples, e isso é importante. Segundo, ele é honesto. Terceiro, ele controla o cofre. Isso precisa ser explorado numa eventual campanha.

AE – O senhor acredita que, se for candidato do PSDB, ele conseguirá reunir forças políticas para impulsionar a candidatura?

FHC – Esse é o problema. Para ganhar, ele – ou qualquer outro – vai ter que reunir forças políticas. É preciso organizar um centro popular democrático e progressista. Se ele for o candidato, sabe que só ganha com aliança, e não sem. Agora, aliança a gente não faz só porque quer. É preciso que os outros queiram também. No quadro em que estamos, tudo vai depender muito da capacidade de o candidato expressar um sentimento que una. Quem for capaz disso pode ganhar a eleição. Não acho que o Brasil vá para o radicalismo.

Qual o problema que o Lula tem agora? Ele ganhou quando saiu do radicalismo e foi para uma posição mais ampla. Quando competiu comigo, o erro dele era estar numa posição radical, contra tudo. Quando foi candidato no fim do meu segundo mandato [em 2002], já estava em outra posição, fez a Carta ao povo brasileiro etc. Agora, pelas circunstâncias, ele está radicalizando de novo. Não é que seja um radical – mas ele não tem muita alternativa senão se defender e acusar todo mundo.

AE – O senhor sempre se comunicou com os jovens. O que diria a eles neste momento?

FHC – A coisa mais importante é você aprender com a história. As pessoas imaginam que governar são atos. Não é: são processos, coisas que levam tempo. O jovem não deve perder essa perspectiva e por isso deve ter esperança. Agora, para que o processo ande, você tem que mexer no que os americanos chamam de tipping points – aqueles pontos críticos em que, quando você mexe, acarreta mudanças ao longo do tempo. Eu sou professor, levei a vida falando com os jovens e gosto de conversar com eles. Aqui na fundação vem todo tipo de aluno e de todo tipo de escola, e eu falo com eles de uma maneira simples.

AE – Um dos temas que a Fundação FHC vem debatendo é a crise da representatividade da política institucional. Como o senhor analisa essa questão?

FHC – A crise é geral e global. O que está por trás disso? A ideia de democracia representativa e os partidos, tal como os conhecemos, só se concretizaram no século XIX. Quando se formaram, os partidos tinham uma ligação mais direta com as classes, que também eram mais claras e tinham mais coesão. Então os partidos de trabalhadores, sociais-democratas, comunistas, liberais, radicais etc. de alguma maneira correspondiam às estruturas da sociedade. Por causa pincipalmente das mudanças tecnológicas, a nova sociedade quebrou e fragmentou tudo isso. As classes não têm a menor coesão, e hoje os partidos não conseguem expressar essa fragmentação da sociedade.

No Brasil, a fragmentação dos partidos não existe porque corresponda àquela da sociedade, mas porque eles viraram organizações para disputar um pedaço do Estado.

Como unir? Um sociólogo francês de quem gosto muito, Pascal Perrineau, diz o seguinte: existem dois tipos de indivíduos que se relacionam com a globalização – há os que são infelizes com ela e os que ganham com ela. É verdade. O Trump fala para aqueles que perderam, e o Emmanuel Macron [presidente da França] fala para os que acham que vão ganhar.

O que está unindo não é a coesão ou a solidariedade social, mas sim espelhar o futuro: joga-se o futuro para lá ou para cá. Não são os partidos que estão fazendo isso, e por essa razão é perigoso que haja pessoas como Trump ou Macron nesse caminho. Aqui pode acontecer isso também. É preciso haver alguém que tenha essa capacidade de captar o sentimento e dizer: vamos por aqui, e não por ali.

AE – De 0 a 10, o Brasil está em que ponto?

FHC – Acho que estamos de novo no aquecimento. O motor está começando a aquecer. Vamos ver se levanta voo.

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