quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Investigação chega mais perto do núcleo político de Trump: Editorial/Valor Econômico

A única vitória legislativa do primeiro ano de governo de Donald Trump, mesmo com a Câmara e o Senado dominados por republicanos, encontrou o presidente às voltas com mais suspeitas de colaboração russa na campanha eleitoral que o levou à Casa Branca. O Senado aprovou na madrugada de sábado, por 51 votos a favor e 49 contrários, projeto de reforma tributária que corta impostos para os mais ricos. Horas antes, o ex-assessor de segurança nacional, Michael Flynn foi indiciado, e se declarou culpado, por ter mentido para agentes federais sobre seus encontros com o embaixador russo em Washington, Sergei Kislyak, logo após as eleições.

O promotor especial Robert Mueller, encarregado da investigação, vai aos poucos se aproximando do círculo íntimo do presidente. Flynn disse ter recebido instruções para contatar os russos de alguém graduado no comando da campanha, uma pista que aponta em primeiro lugar para Jared Kushner, genro do presidente, e, depois, potencialmente, para o próprio Trump.

Trump não tem medido palavras em seus tuites compulsivos sobre qualquer assunto e saiu-se com uma versão inédita e perturbadora de que demitira Flynn após 24 dias de governo por saber que seu assessor havia mentido sobre contatos com os russos para o vice-presidente Mike Pence. Esse comportamento não seria exatamente uma novidade - Flynn já fora expelido do governo Obama por seu "frágil apego à verdade".

A nova versão pode ser embaraçosa para Trump. Ao supostamente saber da mentira de Flynn e demitir Comley, ex-diretor do FBI, que estava no encalço do assessor, o presidente estaria obstruindo a Justiça, argumentam rivais democratas. Depois, para nada esclarecer e tudo confundir, Trump disse que o Departamento de Justiça não estava sendo justo ao dar a Flynn um tratamento que não fora dispensado à "trapaceira Hillary", democrata que derrotou nas eleições.

O histórico até agora não é nada lisonjeiro a Trump, que montou um staff de campanha com um número considerável de escroques. Seu ex-chefe de campanha, Paul Manafort, foi indiciado por lavagem de dinheiro e sonegação de impostos, arrastando junto seu colaborador em falcatruas, Rick Gates. Um outro conselheiro eleitoral, George Papadopoulos, teve igual destino. Kushner, o genro de Trump, encontrou-se em várias circunstâncias durante a campanha com emissários do governo russo e é candidato a próxima vítima.

A suspeita maior para a estranha e bizarra preferência de um presidente americano de direita por parceria com um autocrata russo é de que envolva negócios entre ambos. Seguir essa pista é hoje mais complicado porque Trump foi o único presidente na história recente que se recusou a apresentar suas declarações de imposto de renda. Também não se afastou do comando de suas empresas, ao dar a seus filhos a gestão e chamar parte da família para participar do governo, como a filha Ivanka e seu marido, Kushner.

Trump é exótico e destemperado, mas não rasga dinheiro. O clã dos Trump economizará US$ 1 bilhão com a reforma dos tributos que propuseram, e que foi aprovada, segundo o "The New York Times". Ela reduz a taxação de empresas de 35% para 20%, diminui a carga individual de tributos dos mais ricos e dá alguns abatimentos menores, com data para terminar, para a classe média. A taxação sobre a pessoa física cairá 1%, pelos cálculos da Joint Committee on Taxation (FT, ontem).

O mantra republicano e do secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, é que a redução de tributos será compensada pelo crescimento da economia que trará. Ninguém que faça contas comprou esta história e o déficit previsto pelo comitê de orçamento do Congresso calcula rombo de US$ 1 trilhão em uma década. Mesmo o crescimento previsto é posto em dúvida, porque as empresas americanas estão com lucros recordes e tendem a utilizar o dinheiro extra não para investimentos, mas para recompra de ações.

Além disso, o estímulo fiscal ao crescimento, para boa parte dos economistas, veio em hora errada. O PIB americano avançou 3,3% no terceiro trimestre, com taxa de ocupação abaixo da considerada como de pleno emprego. O risco é que a inflação ressurja da hibernação e que o Federal Reserve tenha de reagir a ela com mais rapidez, e maior vigor, criando perigosa turbulência entre investidores já bastante alavancados em posições de risco.

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