terça-feira, 5 de dezembro de 2017

José Márcio Camargo*: Em casa que não tem pão...

- O Estado de S.Paulo

Quase 40% da arrecadação tributária do Brasil financia 8,5% da população. Sobra pouco para o resto

“Em casa que não tem pão, todo mundo grita e ninguém tem razão.” Essa é a situação do Brasil neste momento. Com um déficit público de 8,0% do PIB e uma dívida crescente, que caminha para 75% do PIB, a falta de recursos é generalizada. Cientistas reclamam de que não têm recursos para manter seus laboratórios, professores das universidades reclamam de que não têm recursos para manter as universidades, médicos dos hospitais públicos reclamam da falta de remédios e material cirúrgico, a população reclama das filas para ser atendida pelo SUS, sanitaristas reclamam da falta de investimentos em saneamento básico, etc.

Não é necessário afirmar que todas são demandas meritórias. O País precisa de mais investimento em ciência e tecnologia, mais recursos para a manutenção das universidades públicas, mais investimento em saneamento básico, mais recursos para a manutenção de hospitais públicos e para o atendimento do SUS. O problema é que não tem dinheiro. O dinheiro acabou.

Mas, com uma carga tributária de 36% do PIB, para onde vão os recursos? O Brasil tem um sistema de Previdência Social muito generoso e caro. E isso tem graves consequências. O País gasta 14% do PIB com aposentadorias e pensões, com um porcentual de população acima de 65 anos de 8,5%. Ou seja, destinamos quase 40% da arrecadação tributária do País para financiar 8,5% da população. Sobra pouco para o resto.

O financiamento deste sistema é feito de duas formas. Pelos trabalhadores ativos, que são taxados em 31% de seus salários mensais (10% diretamente e 21% descontados pela empresa) para pagar aposentadorias. Cada trabalhador com carteira assinada poupa, todos os meses, 31% de seus salários. Além dessa poupança, eles são também forçados a poupar 8% do salário para financiar o FGTS. Portanto, um trabalhador brasileiro com carteira assinada é forçado a poupar 39% de sua renda mensal. Como a poupança forçada é muito elevada, a poupança voluntária é muito pequena e a taxa de poupança do País é de apenas 15% do PIB. Afinal, destes 39% poupados, 31% se transformam em consumo dos aposentados. O resultado são baixa capacidade para financiar investimentos e baixo crescimento.

Apesar de caro, o sistema ainda tem um déficit crescente. Em 2017, o déficit total do sistema atingiu R$ 305 bilhões. Esse déficit é financiado pelos impostos recolhidos pelo Estado. E, se nada for feito, a situação vai piorar. Afinal, a população do País está envelhecendo rapidamente.

O sistema de aposentadoria dos funcionários públicos é particularmente generoso. Em média, a aposentadoria de um funcionário do Legislativo é de R$ 28,5 mil; do Judiciário, R$ 26,3 mil; e do Ministério Público, R$ 18 mil. O sistema atende um pouco menos de 1 milhão de aposentados e seu déficit está próximo de R$ 78 bilhões ao ano. Ou seja, o País transfere, em média, R$ 78 mil por ano para cada funcionário público aposentado. Entre 2001 e 2016, este sistema acumulou um déficit de R$ 1,292 trilhão. Isso é 50% a mais do que tudo o que o governo federal gastou com educação e mais do que tudo o que o governo federal gastou com saúde no mesmo período. Este é o maior programa de transferência de renda do País. E de pobres para ricos.

O governo enviou ao Congresso uma PEC que reduz o déficit do sistema de aposentadoria dos funcionários públicos. A proposta, caso aprovada, vai igualar os dois sistemas (o dos funcionários públicos e o dos trabalhadores do setor privado), criar uma idade mínima para se aposentar (65 anos homens e 62 anos mulheres) e exigir um mínimo de tempo de contribuição de 25 anos pelos funcionários públicos. Deverá poupar R$ 480 bilhões em dez anos, ou seja, R$ 48 bilhões por ano.

Se realmente querem ter recursos para suas atividades, cientistas, professores, médicos, sanitaristas e toda a população devem se unir e demandar do Congresso a aprovação da reforma. Caso contrário, “em casa que não tem pão...”
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*Professor do departamento de economia da PUC/Rio, é economista da Opus Investimentos

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