terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Jus sperneandi: Editorial/O Estado de S. Paulo

Imagine o leitor um réu que, sabendo-se inocente, tenha sido condenado em primeira instância a uma pena de 9 anos e 6 meses de prisão pela prática de graves crimes, como corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Em um país constituído sob a égide do Estado Democrático de Direito, como é o Brasil, é de esperar que o réu recorra da decisão de primeiro grau que o condenou injustamente e conte com a celeridade do tribunal no julgamento de seu recurso, esperando que o reexame dos autos faça o colegiado corrigir uma sentença manifestamente arbitrária.

A célere tramitação do recurso seria ainda mais vital se o réu do caso em tela fosse um ex-presidente da República com a manifesta intenção de voltar a concorrer ao cargo máximo do Poder Executivo nacional nas próximas eleições, porque “só quem salvou o Brasil uma vez pode salvar o Brasil de novo”. Portanto, a indefinição jurídica quanto à sua candidatura em nada ajudaria, tanto o país que precisa de “salvação” como o próprio candidato que teria sido vítima de uma “injustiça”.

Evidente que esta seria a conduta de alguém verdadeiramente contagiado pela indignação dos inocentes e motivado pelas mais nobres intenções em relação ao destino de seu país. Mas como se trata do sr. Lula da Silva, como já percebeu o leitor, que já deu mostras mais do que suficientes de que tudo e todos que se interpõem entre ele e seus objetivos particulares não passam de obstáculos a serem transpostos a qualquer preço, não é esse o caso.

Assim, não chega a surpreender a manifestação do advogado Cristiano Zanin Martins, que defende o ex-presidente e, por óbvio, deveria ser um dos maiores interessados em ver seu recurso julgado rapidamente. Por meio de nota, Zanin Martins afirmou que irá solicitar ao Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) esclarecimentos sobre as razões pelas quais o recurso interposto em favor de seu cliente “está tramitando nessa velocidade, fora do prazo médio observado em outros casos”. Ele e seu cliente devem ser os únicos adeptos de uma justiça tardia e falha no Brasil, um raro caso em que a celeridade da Corte de apelação não é do interesse da parte recorrente.

A esta altura já está claro que a estratégia do sr. Lula da Silva é postergar o máximo que puder uma decisão judicial colegiada que, caso confirme a condenação em primeira instância, pode torná-lo inelegível pela Lei da Ficha Limpa, frustrando a sua candidatura.

O jus sperneandi, portanto, serve a dois propósitos: constranger o Poder Judiciário a ouvir a chamada “voz das ruas”, que a dez meses das eleições dá ao sr. Lula da Silva uma liderança meramente ilusória na corrida presidencial (ver editorial A utilidade das pesquisas, publicado em 5/12/2017); e manter acesa a chama da militância petista, cuja mobilização será fundamental no caso de o demiurgo de Garanhuns ver-se realmente impedido de se candidatar, transferindo o apoio que recebe de sua base cativa para outro nome, seja do PT ou de outro partido.

A celeridade do julgamento do sr. Lula da Silva no TRF-4, marcado para o dia 24 de janeiro – antes, portanto, do prazo legal para o início da campanha eleitoral –, já é explorada politicamente pelo ex-presidente e por seus defensores como um “instrumento de perseguição política”, o chamado lawfare, ainda que o voto do relator do caso na 8.ª Turma do tribunal de Porto Alegre, o desembargador João Pedro Gebran Neto, seja desconhecido.

A marcação da data do julgamento do recurso interposto pelo ex-presidente apenas antecipou uma anunciada lenga-lenga jurídica que, a julgar pelo comportamento do réu e de seus defensores, se presta a um desígnio político-eleitoral – manter o petista em condições de influenciar o debate eleitoral –, e não ao fim a que se destina, a defesa jurídica do ex-presidente.

A realidade fática não é favorável ao ex-presidente Lula da Silva. Não lhe resta alternativa para manter-se vivo como figura política influente no cenário eleitoral a não ser construindo o mundo paralelo onde sua “inocência” se sustenta por crenças, não por provas.

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