quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

'Manu militari': Editorial/Folha de S. Paulo

Sucedem-se com frequência, nos últimos tempos, operações policiais apurando eventuais malfeitos nas universidades públicas –e não é de duvidar que, em meio às complexas engrenagens burocráticas que regem o mundo acadêmico, muitas oportunidades se abram para o desvio de recursos e irregularidades administrativas.

É assim que, por desconfianças surgidas entre os próprios docentes da instituição, veio a público um caso ocorrido no Instituto de Biociências da USP, que culminou na decretação da prisão preventiva de um ex-professor, suspeito de desviar quase R$ 1 milhão do Departamento de Zoologia.

Os princípios da autonomia universitária e da liberdade de pesquisa não se ferem, obviamente, com a aplicação de determinações judiciais dessa natureza.

Merecem atenção, todavia, os protestos que, especialmente na Universidade Federal de Minas Gerais, se voltam contra o que seriam operações policiais indevidamente espalhafatosas e tingidas pela suspeita de arbítrio.

Segundo nota divulgada por ex-reitores da UFMG, altos funcionários da instituição, inclusive o seu atual reitor e sua vice, nem sequer receberam intimação para prestar depoimento sobre um caso de desvio de verbas –sendo, contudo, levados "manu militari" à sede da Polícia Federal em Belo Horizonte para serem interrogados.

As críticas recordaram, previsivelmente, o episódio do reitor da federal de Santa Catarina que, alvo de uma operação da PF, cometeu suicídio em outubro.

Noticia-se que o próprio Ministério Público se manifestara contrariamente ao emprego da condução coercitiva no caso da UFMG –tendo a juíza responsável determinado, entretanto, tal medida.

Não é a primeira vez em que se misturam os princípios do rigor investigativo e o recurso a formas espetaculares de atuação: o momento em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi conduzido de modo coercitivo à PF representou um dos exemplos mais tensos desse conflito.

A Ordem dos Advogados do Brasil considera inconstitucional o uso desse mecanismo nas fases de mera investigação policial. Adeptos do sistema argumentam que se trata de recurso menos drástico que a prisão preventiva.

Não há dúvida de que algum componente punitivo –no próprio espalhafato das operações– cerca o que deveria ser, quando inevitável, o discreto e frio cumprimento de uma determinação judicial.

O risco de abuso se mostra presente, alimentado por um clima inquisitório que, ao fim e ao cabo, tende a prejudicar os próprios objetivos do combate à corrupção.

Nenhum comentário: