quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Merval Pereira: Restrições à reeleição

- O Globo

A proposta de emenda constitucional (PEC) que institui o semipresidencialismo no Brasil tem uma novidade fundamental para a política brasileira: o artigo 82, que prevê que o mandato presidencial será de quatro anos, determina que (...) “Ninguém poderá exercer mais do que dois mandatos presidenciais, consecutivos ou não”. Quer dizer que um presidente da República reeleito não poderá nunca mais se candidatar ao mesmo cargo. Ou que um presidente que não se reeleja poderá disputar mais uma vez o mandato, mas, eleito, não poderá tentar a reeleição.

Lula é o único ex-presidente até o momento que tenta voltar ao poder, e se esse projeto de semipresidencialismo for aprovado no ano que vem, mesmo que não valha para as eleições presidenciais de 2018, impedirá que, eleito, tente a reeleição quatro anos depois. É claro que um presidente eleito terá condições de aprovar na Câmara uma mudança dessa regra, mas a intenção da ressalva é óbvia.

O cientista político Octavio Amorim Neto, professor Associado da Ebape/FGV-Rio, que estuda esse sistema de governo há 20 anos, especialmente o utilizado em Portugal, onde atualmente é investigador visitante do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, na análise que fez da PEC a meu pedido, não entra nesse mérito político, mas considera correto proibir que alguém exerça mais de dois mandatos presidenciais, “justamente para evitar o triste espetáculo que se observa na América Latina, com ex-presidentes que se recusam a se aposentar e impedem a renovação política”.

Octavio Amorim Neto sugere ainda que cinco anos seria uma duração de mandato mais adequada, sobretudo porque descasaria a eleição do presidente das eleições parlamentares. “O descasamento seria importante para que o eleitorado pudesse se concentrar em cada tipo de eleição, permitindo que os cidadãos se informassem bem sobre o novo e crucial papel que o Parlamento passará a ter sob o regime semipresidencial, já que a investidura e a sobrevivência dos governos dependerão da confiança dos legisladores”, pondera.

Na sua avaliação, “eleições solteiras para presidente ofereceriam uma oportunidade para que os eleitores escolhessem um chefe de Estado com inclinações políticas distintas das da maioria parlamentar. As diferenças políticas entre o chefe de Estado e a maioria parlamentar ativariam o papel de poder moderador a ser exercido pelo presidente”. O único senão seria que eleições descasadas estimulam mais ainda a fragmentação partidária.

Octavio Amorim Neto discorda ainda do artigo 86-D, que trata do impeachment do primeiroministro. “Isso é desnecessário porque há o voto de desconfiança. Qual é o sentido de se realizar um lento processo de impeachment se há o mecanismo da moção de censura?”, pergunta ele, para quem uma das vantagens do semipresidencialismo é justamente evitar momentos de incerteza política na substituição do governo.

O quarto parágrafo do artigo 86 da PEC determina que “a moção de censura deverá ser acompanhada de proposta de formação de governo, e se realiza mediante à eleição de um novo primeiro-ministro, cujo nome é então encaminhado ao presidente da República”, regra que ele considera “corretíssima”, mecanismo conhecido como “voto de desconfiança construtivo”, que já estava presente na proposta da Frente Parlamentarista Ulysses Guimarães, objeto do plebiscito de abril de 1993.

O voto de desconfiança construtivo, inspirado na Constituição alemã de 1949, tem como objetivo impedir a formação de irresponsáveis coalizões de veto, preocupadas apenas em derrubar o governo, e não em construir alternativas governativas viáveis. “Tal regra é absolutamente fundamental em parlamentos fragmentados e polarizados, como o Brasil tem tido e que são o ambiente perfeito para a constituição de coalizões de veto”, lembra o cientista político da FGV-Rio.

O Artigo 84 estabelece que o presidente da República tem o poder de dissolver a Câmara dos Deputados “[...] na hipótese de grave crise política e institucional, ouvido o Conselho da República [...]”, mas determina que o poder de dissolução do presidente não pode ser exercido no primeiro ano do mandato da Câmara. Octavio Amorim Neto considera essa cláusula “muito restritiva”, e deveria abranger apenas os primeiros seis meses.

Em compensação, ele sugere que se poderia estipular também que o poder de dissolução não pudesse ser exercido nos últimos seis meses do mandato do presidente, tal qual em Portugal. Para Octavio Amorim Neto, “essa é uma regra sábia, pois impede que o chefe de Estado tome uma decisão de monta quando já não tem mais fortes incentivos para pensar detidamente nas consequências de longo prazo dos seus atos”.

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