quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Míriam Leitão: Ações contraditórias

- O Globo

O ministro Marun disse que o governo condiciona a liberação de recursos da Caixa ao apoio dos governadores à reforma da Previdência. Segundo Marun, BB e BNDES também seguem “ações de governo”. Sem cerimônia, o novo articulador político do governo Carlos Marun admitiu que o governo manipula a liberação dos recursos de bancos públicos para tentar aprovar a reforma da Previdência. O uso de dinheiro dessas instituições tem que obedecer às exigências da boa administração fiscal. Esse governo só existe porque a ex-presidente Dilma caiu por usar os bancos públicos nas pedaladas.

Marun diz que usar os recursos de bancos estatais, como Caixa, Banco do Brasil e BNDES, para aprovar projetos, é “ação de governo”. Por duas vezes, as “ações de governo” foram executadas para livrar o presidente Michel Temer das denúncias da Procuradoria-Geral da República. Agora é para aprovar a reforma da Previdência. Não existe causa boa se for aprovada de uma forma tão distorcida. E isso por razões objetivas: uso político de bancos federais foi um dos motivos da situação fiscal lamentável em que o Brasil está. A Caixa Econômica Federal está hoje precisando de capitalização, tentando conseguir dinheiro emprestado junto ao FGTS, exatamente porque foi usada em “ações de governo” nas duas últimas administrações.

O país precisa da aprovação da reforma da Previdência porque ela será um passo decisivo para a organização das contas públicas. Não pode ser aprovada, contudo, no meio de liberação de recursos para a compra de bancadas, ampliação de gastos, anistia para devedores da Previdência e tudo o mais que tem sido feito. Essas ações estão desorganizando ainda mais as contas públicas, exatamente o oposto que a reforma busca.

Em entrevista publicada ontem no “Estado de S. Paulo”, a secretária do Tesouro, Ana Paula Vescovi, foi clara e direta. “Se deu para um grupo, vai faltar para o outro.” Explicava por que não se pode fazer concessões corporativas e fisiológicas. Para dar benefício com o dinheiro público para um setor, o dinheiro terá que sair de algum lugar, explicou a secretária. Se for para manter o aumento do funcionalismo, o governo terá que cortar em outra área. Essa é a natureza do dilema na atual crise fiscal. Simplesmente é preciso ser rigoroso e seletivo. A austeridade fiscal de um momento assim não combina com a compra de votos para a reforma da Previdência, usando bancos federais. Como também não combina com decisões que o governo está para consagrar ou negocia com os setores empresariais.

Até sexta-feira o governo vai sancionar a nova Lei do Repetro, a MP 795, que concede deduções tributárias para o setor petrolífero até 2040. Continua sendo negociado com o governo o novo programa de incentivos fiscais para o setor automobilístico, o Rota 2030. Como disse a secretária do Tesouro: “Isso tem que ficar claro: deu para um grupo vai faltar para o outro.” Essa regra de ouro serve tanto para os aumentos do funcionalismo, que se mantidos exigirão cortes de outros gastos, quanto para subsídios ao capital que vão fazer com que menos recursos cheguem aos cofres públicos. Se der para empresas de petróleo e de automóveis, vai faltar em outro lugar.

Se Marun passar a distribuir recursos públicos para os estados conforme o compromisso do governador de se envolver no esforço de aprovação da reforma da Previdência, ele pode até conseguir, eventualmente, aprovar a reforma, mas estará desorganizando os cofres públicos. E mantendo o método mais nocivo de construção das maiorias parlamentares. É natural que os estados e municípios peçam ajuda ao governo federal para a superação de crises. Mas as concessões têm que ocorrer dentro de critérios fiscais saudáveis e sustentáveis.

No mesmo dia em que Marun explicitou sua filosofia sobre a melhor maneira de fazer a articulação política, Vescovi deu nova entrevista falando em cortes de despesas não obrigatórias de R$ 26 bilhões para cumprir o Orçamento. Essa duplicidade do governo está cada vez mais estranha. Alguém deveria fazer uma articulação política para apresentar uma parte da administração Michel Temer à outra parte. O que a competente secretária do Tesouro fala faz todo o sentido, mas não guarda qualquer relação com o que Marun está falando e fazendo no ministério que acaba de ocupar.

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