domingo, 24 de dezembro de 2017

Vera Magalhães: Qual garantismo?

- O Estado de S.Paulo

O que mudou? Apeada Dilma, iniciou-se um movimento de acomodação no establishment

Quando foi marcado o julgamento dos 37 réus do mensalão, em 2012, passados sete anos do início das investigações do escândalo, a máxima entre advogados dos estrelados acusados era a de que o Supremo Tribunal Federal era uma Corte garantista, razão pela qual sairiam todos absolvidos.

Espécie de decano da banca, o ex-ministro da Justiça Marcio Thomaz Bastos percorreu redações de veículos de imprensa alardeando esta tese, que também foi usada para acalmar os que estavam com a cabeça a prêmio.

No primeiro dia de julgamento, engalanado numa toga nova, feita sob medida, em muito mais elegante que aquela jogada de qualquer jeito nas costas alquebradas pelo então relator Joaquim Barbosa, Thomaz Bastos subiu à tribuna sob silêncio reverente dos colegas-pupilos para defender a tese com a qual esperava liquidar a fatura e voltar à sua rotina de vinhos e exercícios físicos: o processo deveria ser desmembrado.

Tomou uma surra que lhe tirou parte da pompa e, a partir dali, foram só derrotas para os advogados. Mas o Supremo não era garantista?

O garantismo é uma teoria jurídica cunhada pelo filósofo do Direito italiano Luigi Ferrajoli em fins do século 20. Na forma como é mais evocado no direito penal brasileiro, significa, em termos bem reducionistas para leigos, garantir que o Estado não abuse do direito de punir, a partir da observância estrita de princípios legais.

Um dos bastiões do garantismo no STF sempre foi Gilmar Mendes. Mas no mensalão o ministro votou, na larga maioria dos casos, pela punição aos réus. Rechaçou dúvidas que a defesa evocou, como se haveria ou não dinheiro público no esquema, se era possível imputar uma conduta criminosa a José Dirceu (ou se apenas seria possível condená-lo com o uso da famosa teoria do domínio do fato; o que, para além da lenda difundida pelo petismo, não foi o que Barbosa fez), se havia como falar em mensalão e comprovar pagamentos associados a votações no Congresso etc.

Por mais de um ano, Mendes “formou” com os, por assim dizer, “punitivistas” – termo que emprego sem rigor científico algum, assim entre aspas, apenas para fazer a contraposição aos garantistas.
O mensalão foi um divisor de águas no direito penal brasileiro, sobretudo naquele destinado ao combate dos chamados crimes do colarinho branco.

No início do petrolão, o STF referendou a maioria das ações da primeira instância. O próprio Gilmar Mendes impediu a posse do ex-presidente Lula como ministro da Casa Civil por ver tentativa de obstrução à Justiça.

De novo: o que mudou?

Se no mensalão o fastio da sociedade com a impunidade dos poderosos foi o vetor a guiar a guinada do STF a uma postura mais punitivista, certamente não foi esse clamor que acabou, menos ainda as evidências de cometimento de crimes em série é menor hoje que em 2012.

O que mudou foi o ambiente político. Apeada Dilma Rousseff, iniciou-se um movimento de acomodação no chamado establishment, que une os partidos da base a setores do próprio PT, interessados em salvar Lula, e tem eco em instituições como o STF.

O Direito é o mesmo, as leis são as de 2012 – com endurecimento, aliás, vide a regulamentação das delações premiadas – e as evidências do petrolão e adjacências são muito mais robustas.

Mas as decisões recentes do STF apontam para um 2018 em que se voltará aos trilhos pré-mensalão.

Resta saber se a sociedade brasileira e suas instituições – Ministério Público, magistrados de instâncias inferiores, imprensa, empresariado, movimentos sociais e cívicos – vão aceitar a volta do antigo garantismo ou se cobrarão que a teoria seja empregada em sua acepção mais ampla, aquela em que é a garantia de aplicação efetiva do Direito. Com maiúscula.

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