segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

Marcus Melo: Previsões

- Folha de S. Paulo

Na "Divina Comédia", os adivinhos estão no oitavo círculo do inferno. Eles têm a cabeça torcida, voltada para as costas, de maneira que não conseguem olhar para a frente. As lágrimas molham suas nádegas. Essa é a punição por alegarem saber o futuro que estaria ao alcance apenas de Deus.

Cientistas políticos e economistas são uma variante moderna dos oráculos. Em vez de vísceras ou voo dos pássaros, detêm-se na análise das evidências empíricas. Mas o novo rigor não foi suficiente para prever a ascensão de Trump ou a crise financeira de 2008. As previsões não são inúteis, mas devem ser tomadas com um grão de sal: como "educated guesses" (chutes fundamentados).

Metade das previsões feitas na ciência política estava errada –a estimativa é de Philip Tetlock. Em "Expert Political Judgment" (Princeton University Press), o autor analisa previsões feitas por cientistas políticos ao longo de quase duas décadas.

Falhas de previsão devem-se a tentativas de prever o que é imprevisível. Ou muita incerteza (que é diferente de risco, esse sim modelável). Ou ainda teoria e dados deficientes. Mas há erros triviais como a previsão ou generalização extrapolando para valores que estão fora da amplitude dos dados disponíveis. Ou problemas que resultam de correlações espúrias e variáveis omitidas na análise.

Muito mais importantes são as limitações à previsão de eventos raros de baixíssima probabilidade e alto impacto (os chamados cisnes negros), como a ascensão de Macron, o "brexit" ou a queda do muro de Berlim. Eles não estão no radar das expectativas das pessoas nem dos analistas. Não há método capaz de estimar a probabilidade desses eventos. Previsões podem também converter-se em causas de sua realização: são profecias autocumpridas.

Mas os especialistas e as pessoas, em geral, constroem retrospectivamente racionalizações para eventos inesperados que acabam aparecendo erroneamente como naturais ou até inevitáveis.

A recepção pública de previsões políticas é sujeita a muitos vieses, analisados em estudos experimentais recentes. Um deles é conhecido como "partisan cheerleading" (efeito torcida partidária): se elas estiverem em desacordo com minhas preferências partidárias ou ideológicas, "devem estar erradas".

Muitos fenômenos políticos ensejam regularidades e por isso podem ser analisados com grande acuidade. Embora um cisne negro possa varrer tudo feito um tsunami e dar início a outros padrões, ele é raro por definição. O estudo daquelas regularidades permanece tarefa essencial do analista. Mesmo quando corre o risco de ir parar no Oitavo Círculo do Inferno.
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Doutor pela Sussex University, é professor titular de ciência política da UFPE

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