quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Míriam Leitão: As ameaças fiscais

- O Globo

O Brasil pode ficar na mesma situação do governo americano: precisará pedir autorização para elevar a dívida pública. Para não quebrar a regra de ouro, o governo terá que pedir ao Congresso a aprovação de um crédito especial especificamente para a rolagem. Nos EUA, isso não tem muito impacto no custo da dívida. Aqui, o prêmio de risco subirá muito quando isso acontecer.

E quando acontecerá? Em 2019 e nos anos seguintes. A pessoa eleita este ano terá que enfrentar esse espinhoso problema. A regra de ouro estabelece que o governo não pode emitir dívida num valor maior do que o volume de investimento. Mas as contas preliminares para o ano que vem mostram que faltarão entre R$ 150 bi a R$ 200 bi para cumprir a regra. Há no texto da Constituição a possibilidade de o governo pedir um crédito suplementar para uma questão específica. E a questão específica, no caso, será crédito para a rolagem da dívida.

Os Estados Unidos não têm meta de resultado primário, mas têm teto de dívida a ser cumprido. Quando se aproximam do teto, o Congresso usa isso para pressionar o governo, como fez na administração Barack Obama. Se não aprovar o aumento do teto, o governo tem que fazer o shut down, fechar as portas. Mas como os EUA emitem uma das dívidas que têm mais demanda no mundo, não há maiores consequências em termos de custo. No Brasil, uma eventual briga com o Congresso sobre ter ou não recursos para rolar a dívida pode produzir uma elevação drástica da taxa de risco cobrada pelos investidores.

É isso que se conversa no governo quando o assunto é a regra de ouro. Explica-se que a ideia de propor que ela seja suspensa por alguns anos não foi para aumentar os gastos, porque eles estarão contidos no teto. O problema seria a capacidade do próximo governo administrar a dívida, porque ele teria que pedir sempre esse crédito suplementar. Mas, admite-se na área econômica que o debate da regra de ouro foi um desastre e ficou difícil falar sobre o assunto.

Antes disso, contudo, haverá outro tema na pauta: a reforma da Previdência. E de novo há uma complexidade a ser superada.

O governo tem estudado a melhor maneira de afinar o discurso para falar da crise das contas públicas, porque haverá fatos contraditórios sendo divulgados. No final da próxima semana será anunciado o déficit de 2017 com uma grande queda em relação à meta. A redução pode se aproximar de R$ 40 bi, um recuo ainda maior do que os R$ 30 bi que eu publiquei aqui na coluna. O déficit menor pode ser entendido como um sinal de melhora na economia. Porém, na outra semana o governo vai anunciar o congelamento de parte do Orçamento, ou seja, o contingenciamento. E, além disso, continuará trabalhando pela reforma da Previdência.

Se o déficit está caindo, pode parecer exagero tanto o contingenciamento — que deve chegar a R$ 20 bilhões — quanto o discurso de que a Reforma da Previdência é urgente. Mas, na verdade, mesmo em queda, o déficit será de 2% do PIB, e isso é muito. Em relação a 2018, as frustrações de receitas já chegam a R$ 20 bi. Em alguns casos, a perda poderá ser diminuída, como na reoneração da folha salarial. Se for aprovada, o governo terá apenas que esperar a noventena antes de cobrar o imposto. Há riscos que ainda não são realidade, mas podem se tornar, como o caso da privatização da Eletrobras. A receita da venda está no Orçamento, calculada em R$ 12 bi. Se a privatização não acontecer, frustra-se essa receita. Por outro lado, o leilão de pré-sal que já foi aprovado, e que deve render R$ 8 bilhões, não entrou no Orçamento. Se acontecer, é dinheiro extra.

A reforma da Previdência permitiria em 2019 um ganho em torno de R$ 10 bilhões, e esse valor aumentaria até R$ 40 bilhões por ano. Mais do que a dimensão da redução de despesa, a aprovação teria um efeito sobre a expectativa. As projeções da dívida pública com ou sem reforma são bem diferentes. O novo governante começará a administrar o Brasil com um rombo crescente e descontrolado na Previdência e tendo que fazer uma difícil negociação com o Congresso para rolar a dívida. Se o mundo da política tivesse juízo, todos os postulantes ao cargo estariam querendo a reforma. Ela fará falta ao próximo governo.

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