quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Míriam Leitão: Corrigir o passado

- O Globo

Estatal deu o primeiro passo do longo trajeto para corrigir erros do passado. O passo dado ontem pela Petrobras é apenas um no trajeto longo para corrigir os erros do passado e os efeitos da corrupção na estatal. A empresa assumiu o compromisso de pagar US$ 2,9 bi para encerrar um processo nos Estados Unidos, mas há outras frentes de batalha no mercado americano. Uma delas é na SEC, a CVM deles, e outra é no Departamento de Justiça. Na Holanda e no Brasil também há processos.

De meados de 2016 até agora, a Petrobras já reduziu endividamento, alongou dívida, pagou passivos, retomou diálogo com órgãos fiscalizadores, mudou as regras de conformidade e encerrou 21 de 27 disputas judiciais. Um dos dirigentes da companhia calcula que 70% do tempo da gestão da empresa é dedicado a corrigir o passado. Ontem mesmo, assim que foi anunciado o acordo no processo de ação coletiva, a class action, saiu outra notícia de uma multa da Receita Federal. Essa multa de R$ 17 bilhões pelo não recolhimento de impostos em afretamento de embarcação se refere a 2013. Já há passivos dos anos anteriores até 2012 no valor R$ 45 bilhões pelo mesmo motivo. A empresa tem negociado com a Receita, uma parte foi resolvida na lei do Repetro, mas para aceitar o parcelamento da dívida é preciso ouvir o Conselho de Administração.

O passivo das outras ações no exterior e no Brasil, movidas por investidores que se consideram prejudicados pela corrupção na empresa, não é do tamanho da que foi a class action. Ontem a Moody's considerou que os novos riscos são menores. Cada país tem um marco legal diferente e no caso americano o acordo foi feito para evitar a ida a julgamento por um juri popular. Isso, pelos cálculos do próprio mercado, poderia levar o custo a ser muito maior do que o oferecido pela Petrobras para encerrar a ação. Na Holanda e no Brasil, os processos são diferentes, e não problemas da mesma dimensão. A avaliação feita na empresa é que até os riscos nos Estados Unidos ficarão bem menores após o acordo da class action. Na jurisdição americana, o fato de resolver uma das frentes ajuda bastante nas outras duas, ainda que no Departamento de Justiça se o processo ocorrer é criminal e não cível.

Os passivos contabilizados no balanço mostram a sucessão de erros de gestão do PT na Petrobras, além dos problemas provocados pela corrupção. Um dos problemas era o relacionamento difícil com Receita, órgãos ambientais e tribunal de contas. Na Receita, havia um passivo total de R$ 80 bilhões. Em geral, por recolhimento de impostos seguindo interpretações diferentes das normas tributárias da época. A Lei do Repetro, que provocou tanta polêmica, ajudou a resolver alguns desses passivos e esclarecer a melhor prática futura.

Para se ter uma ideia da mudança que houve na empresa basta comparar dois momentos. Em 2013, o petróleo teve preço médio de US$ 109 o barril, e o ano terminou com um fluxo de caixa livre de R$ 41,8 bilhões negativos. Em 2016, o petróleo ficou em média de US$ 44, e houve um fluxo de caixa livre positivo de R$ 41,6 bilhões. Ou seja, a Petrobras deu uma virada de R$ 83 bilhões, mesmo em situação de preços bem piores.

A estrutura de governança da companhia mudou completamente para evitar a repetição de casos de corrupção. Agora, não há possibilidade de um diretor tomar uma decisão sozinho. Elas passaram a ser colegiadas. Antes, era possível que uma despesa fosse totalmente contratada e executada dentro de uma mesma diretoria. Bastava a assinatura de um diretor. E, pelas análises feitas, foi nesse ponto em que muitos negócios escusos foram feitos. Agora há uma centralização da área de compras para que um grupo maior de pessoas participe da decisão. Ficou mais seguro, mas ao mesmo tempo mais burocratizado. Esse é o próximo desafio da empresa.

O endividamento líquido caiu de US$ 103,5 bilhões, no segundo trimestre de 2016, para US$ 88,1 bi no terceiro trimestre de 2017. O número que é analisado no mercado — a relação da dívida com o fluxo de caixa — caiu de 4,3 para 3,16, e a meta é 2,5. Além disso, foi feito um alongamento da dívida, que reduziu, por exemplo, uma grande parte dos títulos que venceriam neste ano eleitoral. Esse foi o contexto do passo dado ontem.

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