terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Não faltam motivos: Editorial/O Globo

O princípio de justiça social é incompatível com a prática do ensino gratuito para quem pode pagar

A polêmica sobre o tema é antiga, estava meio esquecida, mas foi reativada por um estudo do Banco Mundial sobre a (má) qualidade dos gastos públicos brasileiros, encomendado ainda pelo governo Dilma. Dele constam críticas ao fato de filhos de famílias de renda mais alta se beneficiarem mais da universidade pública, gratuita, do que os de renda mais baixa.

O assunto teve mais repercussão ainda porque, no vácuo da questão previdenciária, entrou na agenda de discussões nacionais — e já não era sem tempo — um sério problema subjacente aos sistemas de aposentadorias que é a sua capacidade de transferir renda de pobres para ricos.

Isso acontece porque a aposentadoria do servidor público é generosa ao extremo, e, por isso, o déficit do seu sistema é proporcionalmente muito maior que o do INSS, do qual dependem os assalariados do setor privado. Aos números: um milhão de servidores federais aposentados geram um déficit anual de R$ 78,1 bilhões, enquanto 30 milhões de segurados do INSS — trinta vezes mais — produzem um déficit de R$ 188 bilhões, apenas duas vezes e meia maior que o resultado do sistema previdenciário do funcionalismo público.

Como é o Tesouro que cobre os rombos, com dinheiro de todos os contribuintes, entre eles os pobres, o efeito concentrador de renda dos desequilíbrios da Previdência é indiscutível. Mas há outros no Estado brasileiro. Um deles, a universidade gratuita.

Os críticos do trabalho do Bird argumentam a partir de dados de pesquisas do IBGE em que foram captados avanços importantes do peso de alunos de renda mais baixa na população universitária. Reflexo de ações afirmativas. Sabe-se, porém, que, se forem analisadas estatísticas segmentadas, a situação é diferente em faculdades que exigem uma base escolar sólida, como Medicina, Engenharia e outras.

Tem-se, portanto, de reconhecer que, mesmo de forma não generalizada, há, sim, um mecanismo de injustiça social em funcionamento e de privilégio em favor de estudantes de famílias abastadas. Fundamenta-se, dessa forma, a necessidade da cobrança, pela universidade pública, de alunos em condições financeiras de pagar. Aplica-se, de maneira irretocável, o princípio da justiça social.

O debate do tema se justifica, também, devido à penúria em que se encontram universidades públicas. Não que a cobrança de quem pode pagar seja a salvação dos estabelecimentos de ensino. Mas, além de justo, representa uma contribuição financeira que é preciso levar em conta. Por menor que seja.

A crise fiscal do Estado brasileiro, por inevitável, espalhou-se pela Federação. As universidades paulistas (USP, Unicamp e Unesp) recebem 9% do ICMS do estado mais rico do país e, mesmo assim, enfrentam dificuldades. Num estágio de gravidade mais elevado, está a Uerj, no Rio de Janeiro. Mais um motivo para o fim da universidade generalizadamente gratuita.

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