terça-feira, 23 de janeiro de 2018

O STF pode suspender posse de ministro?

Daniel Falcão* / O Estado de S. Paulo

'Há um desprezo aos ditames constitucionais referentes às competências do Executivo por parte do Judiciário'

Em 2018, a novela que tem feito o maior sucesso e trazido discussões na sociedade brasileira é a nomeação da deputada federal Cristiane Brasil (PTB-RJ) para o cargo de ministra do Trabalho. A nomeação de ministros de Estado, segundo a Constituição, trata-se de competência privativa do presidente da República (art. 84, inciso I) e os requisitos para a pessoa indicada é a nacionalidade brasileira, o pleno exercício dos direitos políticos e ser maior de 21 anos (art. 87, caput). Nota-se que a atuação do Poder Judiciário nesse assunto é bastante discutível, pois além de a Constituição determinar que cabe ao chefe do Executivo e somente a ele a prerrogativa de nomeação, a deputada indicada cumpre com os requisitos constitucionais.

Após a decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), de manter a decisão de primeiro grau suspendendo a posse, a AGU apresentou um pedido ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o argumento de que a decisão que manteve a suspensão da posse de Cristiane feria a Lei da Ação Popular, ou seja, um argumento infraconstitucional. O Ministro Humberto Martins, vice-presidente do STJ, suspendeu a decisão do TRF-2, o que, na prática, autorizaria a posse.

Entretanto, nesse domingo, os advogados autores da ação de Niterói ajuizaram uma reclamação no STF alegando que a decisão do STJ usurpou a competência do STF, pois a questão em jogo seria constitucional. Surpreendentemente, a presidente do STF, Cármen Lúcia, suspendeu novamente a posse. A surpresa se dá pelo fato de que a ministra admite no seu despacho que não tem conhecimento da argumentação trazida pela decisão do STJ, invocando o princípio da segurança jurídica para adiar a posse até ao menos ter conhecimento do que o STJ decidiu.

Dessa novela, nota-se que o desprezo aos ditames constitucionais referentes às competências do Executivo por parte de órgãos do Judiciário, somada à preterição de determinação do STJ sem ao menos saber quais foram os argumentos exarados são verdadeiros atropelos à separação dos poderes e atentam contra a razoabilidade, contra a segurança jurídica e contra a Constituição.
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*´É professor de direito constitucional na USP e no IDP

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