quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Rosângela Bittar: Os estranhos

- Valor Econômico

Preconceituoso, partido cria facções por idade

Fernando Henrique Cardoso, ao seu estilo de uma dialética inconsequente, engraçada e contundente que sempre o caracterizou, tem sido o único traço de autenticidade do PSDB tal como fundado em 1988. Com sua verve e inteligência emprestados ao partido, que provoca e sacode, vai falando verdades, brincadeiras, alfinetadas aqui, carícias acolá, sem preocupação de desfazer em uma nota posterior a declaração anterior, para depois repor tudo com outras palavras em entrevista e artigo, e estamos conversados, até a próxima celeuma. Um método consagrado, depois de vivido às últimas consequências e retratado nos volumes já publicados de seu "Diário da Presidência". Com os quais, exatamente pelo estilo, transformou amigos queridos em magoados ex-colaboradores. Suas impressões sobre as pessoas, por escrito, causaram mais decepção que aconchego ao intelectual brilhante.

Portanto, o que Fernando Henrique Cardoso falou de Geraldo Alckmin, notadamente que o governador tem que demonstrar capacidade de erguer sua candidatura presidencial senão o PSDB deve partir para outro nome que viabilize o centro político, é uma opinião crua, direta, e óbvia, que já expressou sobre outros amigos, como José Serra, Aécio Neves, e tantos outros do seu círculo. O partido e o candidato não deveriam estranhar o seu presidente de honra, que para começar não deixa pergunta sem resposta. Mas estranharam a única coisa realmente autêntica no tucanato de hoje.

O que se deve estranhar são outras questões que fazem do PSDB um partido de estranhos. Aos 30 anos, a serem completados em julho, transformou-se em um pastiche do PMDB, de quem se separou para fundar uma agremiação política mais séria. Fora Fernando Henrique, nada mais é reconhecível na agremiação. A começar pela própria candidatura Geraldo Alckmin à Presidência da República.

Alckmin é um político paulista, do interior, que sempre lutou com enormes dificuldades para aceitar o Brasil e ser aceito por ele. Não é falta de amor, é falta de jeito.

Suas andanças pelo país, na campanha presidencial de que participou contra Luiz Inácio Lula da Silva, rendem até hoje histórias de inadaptação que entraram para os anais do folclore político. O governador se dá muito bem, mas em São Paulo. Olha o Brasil com surpresa e assim também é olhado.

Resolveu presidir o partido que não tem tradição, ao contrário, de transformar seu presidente em candidato a presidente da República. A exceção foi Aécio Neves, e não se sabe por que Alckmin resolveu seguir o mau exemplo.

Não se nega legitimidade à pretensão da candidatura, e Alckmin pode até contrariar, com folga, a depender de seus adversários, o que dizem os búzios que tiram a hipótese de um paulista no pódio. Mas foram estranhos os movimentos para sagrá-lo candidato a presidente da República e a presidente do partido, mais ainda sendo governador de um Estado e ser o presidente do partido e candidato.

Essa tríplice confusão só não dá razão à dissidência de Arthur Virgílio, o prefeito de Manaus que também quer ser candidato a presidente da República, porque ele é personalidade conhecida e não está transformando o seu papel, sempre esse.

O PSDB afastou-se de sua forma tradicional de atuar também no Congresso, renegando reformas feitas no seu tempo de governo e agora, todas perfeitamente inseridas na orientação do programa partidário e no discurso político dos seus líderes.

Desfiguração de peso é a que se dá na divisão, tratada como falsamente natural por alguns da cúpula, das facções do partido entre jovens e velhos, com evidente carga pejorativa para os velhos. Logo eles, que com sua experiência e conhecimento já foram chamados de sábios e conduziram a nau tucana da dissidência do PMDB à Presidência da República.

É raro, se existe, na história, partido que tenha desenvolvido um preconceito contra idade tão agressivo quanto o PSDB, tendo em vista a excelência de seus quadros políticos de maior experiência e, portanto, mais velhos que os filhos de políticos que se perfilam no bloco dos mais jovens.

Um deputado de primeiro mandato, neste momento de falta geral de rumos para o país e a política, manifesta-se em uma votação, e tudo o que ele fala soa estranho até para os colegas de legenda. Ainda mais num partido formado a partir da academia, da vivência, da formulação. É, porém, a realidade. Um dos temas do PSDB é a mudança do sistema de governo, o parlamentarismo, o semi-presidencialismo, seja lá qual for a mudança destinada a dar ao presidencialismo de coalizão um pouco de pejo. Esse, porém, é um assunto tratado entre o presidente da República e o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, sem que o PSDB consiga esboçar posição.

No governo Lula o PSDB se omitiu, no sentido de desconhecer o galope dos problemas éticos e de gestão, e lhe deu cobertura evidente. No governo Dilma ficou igualmente perdido, e nos meses em que participou do governo Temer, que ajudou a ascender com o apoio ao impeachment, entrou em uma espiral de dúvidas da qual ainda não saiu.

O partido tem uma extrema dificuldade de autogestão, de administrar vários problemas políticos ao mesmo tempo e não se vê um gesto no sentido de controle dos destinos a ele amarrados. Os economistas mais famosos do PSDB e outros filiados mais impacientes com a inércia abandonaram o barco, foram procurar abrigo em outros grupos, Livres para cá, Podemos para lá, mas em pouco tempo se decepcionaram com as novas casas - alguns até já se separaram delas - pois de sua genética ainda não havia saído a marca do autêntico partidos dos primórdios.

Fernando Henrique Cardoso é uma pessoa extraordinária, um sábio de verdade, com uma visão de mundo e do Brasil inigualáveis na política brasileira, mas parece se divertir mais do que se preocupar com o blecaute do seu partido. Mesmo assim, quem dera houvesse outros desses.

Os outros partidos não estão melhores, ao contrário, mas o PSDB, por sua gênese e sua história, pelas cabeças que o conduziram, devia abrir a fila da refundação. Talvez seja difícil, porque a campanha eleitoral já anda a galope, mas tarde não é.

2 comentários:

Anônimo disse...

Essas opiniões sobre Ackmin, me lembram Franco Montoro, quando dizia que desde que começou na política como vereador, sempre ouviu que ele era mole, muito calmo...etc.., mas que os que falaram nunca chegaram a governador... não sei se me entende? Alckmin sempre ganhou no primeiro turno, sempre governou com maioria e nenhuma controvérsia, ou seja, late pouco mas agi muito. Portanto, o nome certo para presidência em 2018 é GERALDO ALCKMIN.

ADEMAR AMANCIO disse...

O Geraldo é um bom candidato,mas o Lula é melhor.