quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Surto de febre amarela expõe limites do sistema de saúde: Editorial/Valor Econômico

A ocorrência nas últimas semanas de casos de febre amarela e de mortes provocadas por ela é mais um infeliz exemplo do descaso com que é tratada no Brasil a medicina preventiva. Basta ler os relatórios da Organização Mundial da Saúde (OMS) para se constatar que, com planejamento estratégico e aplicação de recursos financeiros e humanos nas regiões sob risco, é possível evitar que a doença se torne um enorme problema social e econômico, como começa a acontecer em alguns Estados.

A febre amarela é uma doença hemorrágica viral aguda transmitida por mosquitos infectados. O adjetivo "amarelo" designa a tonalidade da pele que afeta alguns doentes. Uma pequena percentagem de doentes que contraem o vírus revelam sintomas graves e cerca de metade deles morrem no prazo de 7 a 10 dias.

Segundo informações da OMS, a febre amarela é evitada por uma vacina extremamente eficaz, que é segura e economicamente acessível. Uma dose única da vacina da febre amarela é suficiente para conferir uma imunidade sustentada e uma proteção para toda a vida contra esta doença, não sendo necessária uma dose de reforço desta vacina, que fornece uma imunidade eficaz no prazo de 30 dias a 99% das pessoas vacinadas.

Em um informe de maio do ano passado, a OMS relata três epidemias recentes de febre amarela, todas em países muito pobres da África - Angola, República Democrática do Congo e Uganda. Nos três casos, a contaminação de mais pessoas foi contida graças a campanhas de vacinação. O exemplo mais bem sucedido foi em Uganda: a reação rápida ao surgimento dos primeiros casos da doença - foram aplicadas 627 mil vacinas, com uma cobertura de 94% das pessoas que poderiam ser contaminadas - reduziu o número de mortes a três.

A conclusão dos especialistas reunidos pela Organização Mundial da Saúde é que tem havido uma significativa redução no número de casos de febre amarela nos países que adotaram, como parte dos seus programas rotineiros de medicina preventiva, a vacinação em larga escala.

O relatório da OMS dá destaque, nesse contexto, ao caso brasileiro. O começo do surto da doença no país, em dezembro de 2016, foi em Minas Gerais - o surto se espalhou para os Estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo e Bahia e hoje é especialmente preocupante em São Paulo. Para a OMS, o combate à febre amarela no Brasil padece por razões ecológicas, estruturais e políticas.

Um dos problemas abordados é a forma como é organizado o sistema de saúde no país, descentralizado, cabendo às mais de 5.700 prefeituras a tomada de ações para combater a disseminação de doenças enquanto à União fica o papel de regulador e repassador de recursos. Embora esse modelo tenha muitos méritos, numa situação de epidemia torna mais complexa a tomada de medidas de caráter nacional de prevenção.

Na edição de ontem, o Valor publicou material sobre o surto da doença que corrobora esse diagnóstico de implementação de medidas preventivas na área da saúde. Segundo estudo da diretoria de análise de políticas públicas da FGV, a demora e a falta de planejamento nas ações de prevenção e a má distribuição dos recursos públicos - sem o foco nas cidades mais afetadas e onde ocorreram maior número de mortes pela doença- facilitaram o avanço da febre amarela no país.

O estudo dá especial atenção a Minas Gerais, que se transformou em termômetro das políticas de combate à doença no ano passado, quando 465 casos de febre amarela foram confirmados com 152 mortes, especialmente nos municípios da zona rural, na região noroeste do Estado.

Segundo o Ministério da Saúde, vacinas têm sido encaminhadas rotineiramente para Minas desde 2003, quando o Estado foi incluído na área de vacinação permanente.

Na semana passada, foi anunciado que o Estado de São Paulo receberá 1 milhão doses da vacina visando garantir a prevenção da doença e o abastecimento das salas de vacina até o início da campanha contra a doença, que acontecerá em fevereiro. Assim, no Estado, o potencial de pessoas que receberão a imunização sobe para 7,3 milhões, em 53 municípios, incluindo a capital.

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