segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Fernando Limongi: Os três no Poder

- Valor Econômico

Ficou claro que estavam mandando uma mensagem

José Robalinho sentenciou: "O Brasil tem um Judiciário técnico e isento". Presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Robalinho completou: não houve "perseguição" a Lula. Outro presidente, o da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Jayme de Oliveira, foi igualmente taxativo: "As pessoas que perdem têm que saber perder."

Os togados não economizaram o verbo para defender os três do TRF-4. As sentenças teriam levado em conta os autos e as provas, sem olhar para a filiação partidária do réu e sua condição de líder nas pesquisas de intenção de voto.

Negar o caráter politico da decisão é tentar tapar o sol com a peneira. O juiz Sergio Moro foi igualmente técnico e isento, mas sentenciou Lula a 9 anos e 6 meses. Para os três do TRF-4, o crime cometido valeu a Lula condenação de 12 anos e 1 mês de reclusão. Desavença, portanto, pode ocorrer entre juízes imbuídos do mesmo rigor, apreço aos fatos e comprometimento com o combate à corrupção.

Neste caso particular, se o juiz Sergio Moro passasse a pagar aluguel, se trocasse Curitiba por Porto Alegre, como teria votado? Teria aberto dissenso? Teria mantido sua pena?

A lei define tão somente o tempo mínimo e máximo das penas. A culpabilidade do réu e a existência de atenuantes ou agravantes geram variações no interior deste intervalo. Em outras palavras, a pena a cumprir é uma decisão altamente discricionária e subjetiva. O juiz transforma culpabilidade, atenuantes e agravantes em anos e meses.

Ao dizer que as decisões foram eminentemente técnicas, Robalinho e Oliveira querem nos fazer crer que os três do TRF-4 não levaram em conta as consequências políticas de suas decisões. Custa crer.

O caráter eminentemente político da sentença de Porto Alegre decorre da concordância integral em dois pontos: a de que a punição imposta por Sergio Moro era insuficiente e que Lula deve ficar na prisão por exatos 12 anos e 1 mês. Como chegaram a estas conclusões?

Para efeitos de apoio ao juiz Sergio Moro e à Operação Lava-Jato, a repetição da pena bastaria. A decisão seria igualmente técnica. Os argumentos invocados para embasar a majoração da pena procuraram demonstrar a adesão completa de Porto Alegre a Curitiba. Lula era o presidente, chefiava a nação, deveria dar o bom exemplo. Eis o agravante. Moro, obviamente, sabia disto, mas sua pena não teria sido suficientemente exemplar. Assim, ao elevar a pena, os três do TRF-4 reforçaram o mantra entoado pelos mentores da Lava-Jato: a impunidade é o alimento da corrupção. O rigor da punição afasta a tentação e assegura a retidão.

Gerbran Neto, Leandro Paulsen e Victor Laus deixaram claro que estavam mandando uma mensagem. Não há técnica jurídica capaz de discriminar o efeito que 2 anos e 5 meses adicionais de punição terão sobre o comportamento de Lula quando este se reintegrar à sociedade.

Entretanto, o crucial foi o acordo alcançado na extensão da pena. Os três do TRF-4 foram exatos. Não houve discordância sequer no 'mesinho' adicionado aos 12 anos, 'mesinho' que com certeza algum efeito tem para recursos ou a possibilidade de prisão domiciliar. A precisão milimétrica do acordo não pode ser creditada à técnica. A ciência da dosimetria, com certeza, não atingiu tamanho requinte.

Obviamente, os três do TRF-4 consideraram as consequências de suas decisões e optaram pela unanimidade completa. Poderiam ter sido igualmente técnicos e politicamente isentos sem chegar a um acordo integral. Optaram pelo acordo em razão de suas consequências.

Todos que acompanharam o julgamento estavam cientes que um desacordo nas penas abriria a porta para recursos e, tão ou mais importante, implicaria a necessidade de ampliação do colegiado. A decisão final continuaria a caber ao TRF-4, mas envolveria outros juízes. Deliberadamente, portanto, os três do TRF-4 fecharam as portas a esta possibilidade. Não confiaram ou não quiseram partilhar a decisão nem mesmo com seus pares. Com a convicção dos que cumprem uma missão, chamaram a si a responsabilidade para dar a palavra final sobre a matéria. Não sobre a pena, mas a de que Lula não poderia ser candidato.

Assim, mesmo que não tenha sido uma 'perseguição', a decisão tomada tem repercussões político-eleitorais claras e imediatas, conhecidas e, obviamente, consideradas pelo triunvirato de Porto Alegre. Prejudica alguns e, consequentemente, favorece outros. É apenas natural que os perdedores levantem suspeições sobre a decisão, sobretudo quando se leva em conta que o outro lado ainda não encontrou quem o tratasse com tamanho rigor.

A sentença, portanto, para além dos perdedores, gerou ganhadores. Dando nomes aos bois, Geraldo Alckmin, candidato do PSDB à Presidência, é o grande beneficiário da implosão da candidatura de Lula. Salvo pela insistência com que os aloprados de plantão teimam em não deixar Luciano Huck e seu caldeirão em paz, não se vislumbra quem possa derrotá-lo.

Assim, paradoxalmente, a decisão tomada com o objetivo de sinalizar à sociedade que a era da impunidade chegou a seu final, favorece o lado que continua a tirar proveito da impunidade grada pela morosidade da Justiça. O nome de Geraldo Alckmin, não é demais lembrar, tem lugar de destaque na delação que anunciaria o fim do mundo, mas que, por enquanto, não gerou nenhuma consequência concreta. O metrô e o Rodoanel estão para o PSDB paulista como a Petrobras está para o PT.

Não é preciso ir tão longe para questionar o acerto da decisão tomada pelo TRF-4. Tratou-se de coroar a estratégia traçada pela Lava-Jato que, desde sempre, coloca Lula no centro do slide, completando o trabalho que o julgamento do mensalão teria deixado inconcluso. Que a condenação de Lula tenha efeitos concretos sobre a corrupção é para lá de questionável. Seus efeitos políticos são líquidos e certos.
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Fernando Limongi é professor do DCP/USP e pesquisador do Cebrap.

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