quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Horizonte estreito: Editorial/O Estado de S. Paulo

O impasse em torno da reforma da Previdência evidencia a incapacidade do Brasil de superar o horizonte imediato dos interesses das corporações e dos políticos, que somam esforços para garantir seus privilégios e votos. É essa limitação que torna o País permanentemente vulnerável a choques externos, como este que parece se avizinhar.

Como sublinhamos no editorial Um susto e um alerta, publicado ontem, os parlamentares deveriam ser, por princípio, capazes de entender que uma mudança no cenário internacional, com um possível aperto monetário nos Estados Unidos e na Europa, pode ter efeitos graves sobre o Brasil, pois limitaria os investimentos externos em países emergentes. A eclosão de uma nova crise sem que as contas nacionais estejam ajustadas – isto é, sem que a reforma da Previdência e outras medidas de austeridade tenham sido aprovadas – teria como principais prejudicados os brasileiros mais pobres, justamente aqueles que os parlamentares contrários à reforma dizem defender.

A julgar pelo nível dos debates e das reivindicações da base governista para aprovar a reforma, contudo, os congressistas estão longe de compreender a extensão dos problemas derivados do desarranjo das contas. Não parece haver, em nenhum momento, uma preocupação estratégica com o futuro do País, pois as discussões limitam-se à barganha de votos por garantias de que este ou aquele privilégio será mantido. Na vanguarda desse atraso estão os parlamentares que representam os interesses dos servidores públicos e aqueles que aproveitam o destaque proporcionado pelo tema para fazer demagogia com vistas à eleição de outubro.

Infelizmente, não surpreende que assim seja. O Congresso Nacional tem se notabilizado há muitos anos por ignorar a necessidade de construir e manter as bases de um crescimento sustentável, única forma de acabar com a pobreza crônica. Contam-se nos dedos as medidas de rigor fiscal que foram aprovadas pelos parlamentares – a Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2000, e o teto dos gastos públicos, de 2016, estão entre os raros exemplos de conciliação dos deputados com a realidade do País.

No mais das vezes, contudo, prevalece a fantasia segundo a qual o dinheiro público é infinito. O maior exemplo dessa mentalidade é a própria Constituição, cujos múltiplos direitos e benefícios ali previstos excedem em muito a capacidade do Estado de atendê-los – e as grandes vítimas dessa distorção são os cidadãos que dependem de um serviço público cada vez mais precário, por falta de recursos. E sempre que se fala em reformar a Constituição, para adequá-la ao mundo dos fatos concretos, erguem-se desde logo barricadas para assegurar prebendas e sinecuras como se fossem cláusulas pétreas.

Além disso, a própria recuperação econômica do País, a despeito de ainda ser incipiente e claudicante, já começa a dar azo à presunção, por parte dos oportunistas, de que não há mais necessidade de reformas. Tal irresponsabilidade parece ter se tornado um padrão entre as lideranças políticas do País, com raras exceções: não há crise grave o bastante que os convença da necessidade de prevenir a próxima.

O Brasil, assim, brinca com a sorte, mais uma vez. Ao longo da história, o País sofreu duros choques decorrentes de turbulências externas em razão de proverbial imprevidência. Quase sempre que se viram diante da necessidade de escolher entre a prevenção de uma nova crise e a manutenção de privilégios os mais variados, os políticos escolheram o lado dos privilegiados e dos irresponsáveis. Uma crise como a produzida no governo de Dilma Rousseff, por exemplo, não surge da noite para o dia; é resultado de uma tremenda vocação para o desperdício de recursos em nome de ilusões populistas.

Como se vê, a dificuldade de realizar reformas para o saneamento das contas públicas vai muito além da necessidade de superar uma oposição ocasional. Trata-se de desafiar uma sólida cultura perdulária, que convida à busca incessante de vantagens pessoais e corporativas em detrimento da capacidade do Estado e do próprio futuro do País.

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