domingo, 25 de fevereiro de 2018

Míriam Leitão: Fogueira das vaidades

- O Globo

O primeiro objetivo do presidente Temer ao se colocar como candidato é adiar a hora em que será um pato manco, um governante sem poder, em fim de mandato. Temer quer manter a ideia de que tem um horizonte amplo. A expectativa de que possa ter poder no futuro aumenta sua força agora. Seu movimento levou ao improviso do ministro Henrique Meirelles, considerando encerrado seu tempo na Fazenda.

O Brasil terminou a semana com duas estranhezas. Um presidente impopular que tem ambições de permanecer no cargo e por isso todos os seus atos serão considerados de campanha, e um ministro da Fazenda que já encerrou o expediente, mas ainda não deixou o cargo.

Temer e seu grupo são profissionais do poder, sempre estiveram colados aos cascos dos navios, e agora estão no comando. Seus ministros mais próximos são investigados, e, se continuarem ministros, terão a vantagem do foro privilegiado. Isso sem falar em outras regalias. Ele próprio tem uma vantagem decorrente de uma falha na lei eleitoral: pode disputar a eleição estando no poder, enquanto seus concorrentes precisarão estar fora de qualquer cargo.

O ministro Henrique Meirelles tem bons serviços prestados, tanto no Ministério da Fazenda quanto no Banco Central. Ajudou o ex-presidente Lula a vencer a desconfiança contra ele, que, em 2003, elevara o dólar, a inflação e o risco-país. Depois, foi o ponto de resistência contra as propostas econômicas equivocadas do partido do então presidente. No Ministério da Fazenda, montou uma boa equipe. Ele, sua equipe e um competente Banco Central tiraram o país da inflação de quase dois dígitos e da recessão.

O problema do ministro é que ele não tem os atributos de comunicação naturais de um candidato. Sua única experiência com as urnas foi no seu estado natal, Goiás, numa eleição proporcional. É difícil imaginar Meirelles empolgando as massas em um palanque ou usando de forma convincente o horário eleitoral.

Meirelles não fez um anúncio formal sobre a candidatura. Numa entrevista à rádio Itatiaia, disse que sua etapa à frente do Ministério está cumprida e que estava “contemplando” a possibilidade de se candidatar. Mais tarde, em entrevista à CBN, confirmou sua ambição de concorrer. Um ministro da Fazenda que diz que essa etapa de sua vida está encerrada tem que, em seguida, entregar o cargo. Mas ele disse que a candidatura ainda depende de alguns fatores. Um deles é ter estrutura partidária. Se Meirelles anda se aconselhando com marqueteiros experientes como Duda Mendonça, deve ter ouvido que esse anúncio na condicional o deixa num limbo. Nem é mais ministro da Fazenda, nem ainda é candidato. Fica difícil entender a estratégia de Meirelles.

Temer tem ouvido que, se há um legado do seu governo, ele mesmo deve se aproveitar disso. Vários dos que estão no seu grupo dependem dessa vitória, como biombo contra a Justiça. O STF, pela sua espantosa lentidão, faz com que o foro seja um excelente negócio. A prerrogativa pode ser restringida, mas essa decisão ficou presa na armadilha Dias Toffoli. O ministro interrompeu a tomada de decisão do STF sob o argumento de que o Congresso estava deliberando sobre isso, e os políticos engavetaram o assunto. Agora a intervenção trancou a gaveta a chave.

Temer e Meirelles têm o mesmo pensamento. Ambos calculam que a economia vai crescer este ano e com inflação baixa, aumentando a sensação de conforto econômico. Ambos acham que podem ser beneficiários desse momento. A recuperação, desta vez, tem características próprias. O desemprego permanece muito alto, e a sensação de insegurança está presente nas famílias. Há bons indicadores de melhora. É possível medi-los, mas ainda é difícil senti-los. É improvável que o tímido fim da recessão, em ambiente hostil de desemprego e renda, seja capaz de alavancar candidatos que pontuam tão pouco nas pesquisas. Há outros itens na agenda do brasileiro. A intervenção federal na segurança do Rio é manobra que tem muitos riscos e, se trouxer ganhos, serão a longo prazo. A candidatura de Temer aumentará o combate à intervenção, porque ela será vista como manobra eleitoreira. As ambições do presidente tornam ainda mais difícil esse fim de governo.

Nenhum comentário: