quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Míriam Leitão: Vender e mudar

- O Globo

O governo já admite que há risco de não receber os recursos da privatização da Eletrobras este ano, mas quer fechar o contrato de venda até julho. Com a Petrobras, tenta viabilizar o superleilão do pré-sal mesmo que não consiga chegar a um acordo sobre a compensação da cessão onerosa. São assuntos complexos, mas que permitirão ao governo arrecadar mais e influenciar a economia.

O calendário no setor elétrico será intenso este ano. Até abril, o governo quer privatizar seis distribuidoras deficitárias; até maio, aprovar o Projeto de Lei da privatização da Eletrobras; e até julho fechar o acordo de venda. Ao mesmo tempo, negociará com a Petrobras sobre o excedente da cessão onerosa.

O elétrico é o único setor onde o governo poderá conseguir recursos extras. Ao mesmo tempo, é também a área na qual poderá fazer mudanças mais permanentes na estrutura regulatória e econômica do país. Para arrecadar, precisará vender a Eletrobras e fazer o leilão de petróleo extra, mas a privatização da Eletrobras não é apenas uma forma de arrecadar, é também o caminho pelo qual o governo tenta corrigir os erros do intervencionismo da MP 579. Para atingir os dois objetivos há um caminhão de assuntos complicados a resolver. A privatização da Eletrobras será num modelo diferente de tudo o que se viu no país.

— Se quisesse apenas aumentar a arrecadação, o governo venderia o prêmio de controle, mas ele está trabalhando para criar uma corporação no setor de energia e isso dá mais trabalho — disse uma fonte que está lidando com o assunto.

O dinheiro da venda, calculado em R$ 12 bi, pode não entrar no caixa este ano, porque o calendário está apertado. Primeiro, o governo terá que fazer um contrato com a Eletrobras sobre as condições da venda do direito de concessão das usinas que passarão a ser da empresa. Isso até julho. Essas usinas foram tiradas da companhia no governo Dilma, e a concessão voltará para a Eletrobras. No jargão do setor, foram cotizadas e agora serão descotizadas. Para pagar ao governo, a Eletrobras fará a operação de aumento de capital com venda de ações ao mercado. Assim, o capital vai ser pulverizado. Mas ela só pagará ao governo quando vender, e isso seria depois de novembro.

Da perspectiva do governo, o processo se encerra quando o acordo com a Eletrobras for feito e por isso o trabalho é para que se encerre em julho, antes do calendário eleitoral. Só que não é um acordo a sete chaves com uma estatal. Será negociação com uma empresa de capital aberto, que tem minoritários:

— Se os minoritários não aceitarem, não haverá acordo, porque, se eles acharem que não é vantajosa a descotização das usinas, não aprovarão o acordo.

Por isso é importante que o PL sobre a privatização seja aprovado até maio para que dê tempo de negociar com a Eletrobras dentro dessa nova modelagem. Do ponto de vista do governo, o assunto se encerra quando for feito esse acordo para a venda das concessões das usinas para a Eletrobras. Depois, será uma operação privada conduzida pela empresa. Há inclusive um movimento para que seja blindada a atual diretoria até o fim da operação. E blindagem significa não poder mudar a gestão. Antes disso, terão que ser privatizadas seis distribuidoras cheias de problemas e dívidas.

Outro assunto complexo, mas fundamental, é o de venda do petróleo excedente. O governo em 2010 fez um acordo para capitalizar a Petrobras, em que cedeu o direito de exploração de petróleo no pré-sal. O petróleo estava em torno de US$ 100. De lá para cá, ele caiu muito. Ao mesmo tempo se descobriu mais petróleo do que estava calculado e é esse excedente que será leiloado. É preciso fazer o acerto, previsto em contrato, sobre esse passado, para que se possa fazer o leilão.

— O contrato foi muito mal feito e há uma disparidade enorme, uma diferença que pode chegar a US$ 70 bilhões — diz uma fonte do governo.

Outra fonte diz que existem sete opções de cálculo e em cinco delas a Petrobras tem a receber e, nas outras, a pagar. A Petrobras disse que não aceita fórmulas em que não tenha a receber. Essa confusão é que, dependendo do critério de cálculo ou da data usada, o resultado muda. A proposta do governo é: continuar negociando esse acerto de contas, mas preparar o leilão do petróleo excedente encontrado nos campos. Isso poderia dar uma receita de US$ 10 bilhões a US$ 15 bi para o Tesouro. E também seria bom para a Petrobras.

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