quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

O reinado de Xi: Editorial | Folha de S. Paulo

O ambicioso líder chinês está perto de obter autorização para se perpetuar no posto

Por 25 anos a China foi uma ditadura praticamente sem rosto, conduzida pela burocracia opulenta do Partido Comunista e sem maior traço de ambições personalistas.

Esse ciclo terminou no domingo (25), quando o Comitê Central do Partido Comunista chinês propôs abolir da Constituição a cláusula que limita a dois os mandatos consecutivos do presidente.

Não que restasse grande dúvida sobre as aspirações de Xi Jinping, o ocupante do cargo desde 2013 e, desde o ano anterior, secretário-geral do partido, como é a praxe.

Com a mudança, que acrescenta algo de bolivariano ao regime, ele poderá se perpetuar no poder além de 2023, prazo final de seu segundo mandato. É algo inédito desde a saída de Deng Xiaoping, o herdeiro de Mao Tse-tung, em 1992.

A onipresença do sorriso de Xi em pôsteres, grafites e souvenirs nas grandes cidades já alimentava especulações sobre um papel que se anunciava maior do que o de seus últimos antecessores.

Discursos recentes do líder em fóruns internacionais, que delineiam com cada vez mais nitidez as pretensões globais de Pequim e de seu dirigente máximo num momento de vácuo global de estadistas, também se mostram novidade.

A forma discreta do anúncio, em uma notícia distribuída pela agência estatal, não reflete sua importância. No caso da China, uma proposta do partido pode ser lida como ordem, mesmo que ainda precise de aval do Parlamento.

Xi iniciará seu segundo mandato em 5 de março, e é razoável supor que apenas um impeditivo físico grave se ponha como obstáculo para que ele assuma o terceiro. Aos 64 anos, o dirigente chinês mostra disposição e boa saúde.

Em sua escalada no PC, esse engenheiro químico, filho de um graduado burocrata do partido e habituado à mais alta casta política de seu país, não deixou desafetos que lhe façam sombra.

Uma vez no topo, ampla campanha de combate à corrupção, com purgas e prisões, garantiu o temor dos correligionários e o apreço popular, binômio maquiavélico.

A deferência se concretizou na incorporação de parte do ideário de Xi à Constituição, algo negado a seus antecessores imediatos.

Para eventuais queixas de uma classe média em expansão, mais interessada no mundo, continua a valer a censura, como deixou claro a ofensiva para apagar críticas on-line à mudança constitucional.

Sem um grande desafio doméstico —em uma economia que cresce, ainda, 6,5% ao ano— e sem liderança no Ocidente com fôlego para lhe fazer frente, a única nuvem no horizonte de Xi é uma aliada tão belicosa como imprevisível, a Coreia do Norte.

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