quarta-feira, 7 de março de 2018

*Alberto Aggio: O drama é maior do que 2018

- O Estado de S.Paulo

Cenário pós-Lula deverá requisitar o concurso do conjunto da sociedade na reconstrução do País

O Brasil vive um momento dramático. Os brasileiros vão às urnas em outubro esperando que o País encontre saídas reais para a crise e um novo sentido de futuro. As últimas escolhas e a composição dos últimos governos deixaram sequelas profundas que comprometeram a credibilidade da política. Hoje a crise ética é uma fratura aberta; a segurança pública, um descalabro, acossada pelo crime organizado. Parcas melhoras na economia e no emprego não alteraram esse cenário de desesperança.

Diante da confirmação da condenação de Lula pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), que deve ceifar sua candidatura presidencial, o País tem diante de si o desafio de superar o lulismo. A corrupção sistemática que arrasou o País nos anos do lulismo abalou todo o edifício político que havia sido montado nos anos de democratização. O cenário pós-Lula deverá requisitar o concurso do conjunto da sociedade, da opinião pública, dos intelectuais, dos partidos políticos e de todos os que se possam mobilizar pela reconstrução do País.

Lula e o PT nasceram no outono do autoritarismo como peças do “sindicalismo de resultados”, com roupagem e retórica de esquerda. No governo, o lulopetismo foi uma “esquerda de resultados”, nefasta para a sociedade brasileira, em especial para os mais pobres pois os subalternizou, fixando-os em seus interesses individuais e impedindo qualquer perspectiva de elevação cultural e política que os convocasse a formular e compartilhar um projeto nacional e civilizatório. O lulopetismo foi tóxico para a democracia e a esquerda. Como escreveu Demétrio Magnoli em artigo recente, “a ‘esquerda’ lulista escolheu o capitalismo selvagem do consumo privado, do crédito popular, do cartão magnético, das Casas Bahia e do Magazine Luiza” como horizonte de satisfação hedonista das massas. A pragmática petista contou, das origens até agora, com a anuência da “esquerda maximalista” que soldava apoios ao “grande líder” quando julgava necessário e conveniente. Papel desempenhado também pelos intelectuais das universidades públicas. Foi assim que o lulopetismo condenou o Brasil a não ver realizada a social-democracia ou o reformismo que poderiam instaurar um novo cenário histórico no País. Em nome do mito e servindo-se dele, o PT bloqueou a afirmação de uma esquerda democrática, defensora das reformas e aberta ao novo.

No Brasil de hoje, as ruas, que foram essenciais em 2013 e no impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, esmoreceram, mas não se despreocuparam. Como se sabia, seria ilusão esperar delas uma saída clara para a crise em que o País mergulhou. Sem conseguir estancar a crise ética, o governo Temer não produziu a expectativa positiva que se esperava, mesmo com uma oposição fraca e prisioneira do lulismo. A política, que havia revivescido, acabou por não se consolidar. Resultado: o drama se instalou, com uma sociedade órfã sem poder confiar no governo ou na oposição.

A expectativa voltou-se para as dimensões externas à política, notadamente para a Operação Lava Jato, que cumpria exemplarmente seu papel republicano e constitucional. Desorientada, a opinião pública passou a admitir saídas ilusórias e despropositadas. Alguns continuaram a ver nas ruas, via democracia direta, a alternativa a esse estado de desorientação. Outros concluíram que decisivo seria “dar o poder” aos “homens de toga”, como substitutos da má política. Embalados pela ânsia de poder, outros ainda viram nas eleições presidenciais de 2018 a salvação mediante apoio a algum outsider, uma sedução pelo transformismo que não faria mais que prolongar nossa agonia; por sorte, parece que essa febre está cedendo.

Mesmo nesse cenário parece haver alguma oxigenação no protagonismo dos chamados “movimentos cívicos” que clamam por renovação da política. Indiscutivelmente positivos, seu exclusivismo e seu finalismo eleitoral merecem, contudo, preocupação, bem como requerem uma checagem do seu real tamanho e sua incidência. Se é preciso evitar o “populismo” como alternativa, também é justo preocupar-se com o que os italianos chamam de qualunquismo, isto é, uma política sem organicidade, que se esgota na identidade do homem comum e das coisas simples, pois sabemos que a política é complexa e exige muito mais do que isso.

Fará bem ao País uma coalizão de forças que se expresse em ideias claras, equipando a sociedade e o Estado para enfrentarem os problemas que derivam da grande transformação advinda da revolução tecnológica em curso. O Brasil tem todas as credenciais para proporcionar a seus cidadãos uma vida digna no momento em que vai completar 200 anos de existência como país independente.

É, certamente, uma batalha dramática e exigente, considerando todos os desafios que temos pela frente, cujo inimigo maior são as promessas, imprudentes e perigosas, que comprometem os horizontes fiscais da República, além de escamotearem, com políticas econômicas dignas de desenhos autárquicos do passado, os equívocos trágicos que a História, mesmo a mais recente, nos tem ensinado.

Não há razão para desejar partir do zero e tampouco há razão para descrer dos brasileiros de bem que construíram, mesmo contraditoriamente, um País cheio de vitalidade e que, transformado, será um excelente lugar para viver. É preciso extrair do esforço democrático de luta dos brasileiros um amplo programa de reformas que deverá, sem as falsas promessas e ilusões da demagogia e da antipolítica, pôr o País para andar. Não surgirá nada de novo nesta quadra se nossos propósitos não visarem uma atualização verdadeira e realista. As ideias-chave para tanto são a valorização do trabalho, da ética e da República, estímulo à inovação e ao crescimento econômico, visão social consonante com o mundo em transformação, democracia e novo reformismo. Com as pessoas no centro das nossas preocupações e dos nossos horizontes.
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*Professor titular da Unesp

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