terça-feira, 20 de março de 2018

Bernardo Mello Franco: A segunda morte de Marielle Franco

- O Globo

Marielle Franco morreu pela primeira vez na noite de quarta-feira, baleada por criminosos que desejavam silenciá-la. Voltou a morrer na manhã seguinte, alvejada pela metralhadora de acusações falsas da internet.

A vereadora se tornou a nova vítima dos assassinatos de reputação. No seu caso, o crime tem duas agravantes. Ela não pode se defender das calúnias, e o bombardeio ganhou o reforço de autoridades do Judiciário e do Congresso.

A desembargadora Marília de Castro Neves, do Tribunal de Justiça do Rio, foi rápida na sentença. Antes de a polícia encontrar os responsáveis pela emboscada, ela escreveu que Marielle “estava engajada com bandidos” e “foi eleita pelo Comando Vermelho”.

Pega na mentira, a magistrada alegou, sem pedir desculpas, que repassou “de forma precipitada notícias que circulavam nas redes sociais”. Quem visitou seu perfil encontrou um festival de outras postagens de tom ofensivo.

O deputado Alberto Fraga, do DEM, também disparou contra a memória da vereadora. Afirmou que ela “engravidou aos 16 anos”, foi “esposa do Marcinho VP” e seria “usuária de maconha”.

Líder da bancada da bala, Fraga é daqueles parlamentares que não resistem a um Google. Foi condenado por porte ilegal de armas, é réu em mais duas ações penais e foi gravado reclamando da divisão de propina no governo de Brasília. Ontem ele disse que divulgou as acusações sem checar se eram reais.

Desqualificar a vítima é uma tática antiga para esvaziar a indignação com um crime. No caso de Marielle, isso também serve para minar causas que ela representava, como a defesa das minorias e a denúncia da violência policial.

Ninguém precisa simpatizar com as ideias da vereadora para reprovar os ataques à memória dela. É uma questão de humanidade, não de afinidade.

Ainda não existe lei contra a propagação de notícias falsas na internet, mas o Código Penal já enquadra quem pratica crimes de calúnia, injúria ou difamação.

Nos casos da desembargadora e do deputado, o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho de Ética da Câmara também precisam agir para que o linchamento virtual não fique impune.

Nenhum comentário: