quarta-feira, 14 de março de 2018

Cristiano Romero: O fracasso organizado da principal reforma

- Valor Econômico

Enterro da reforma cria vazio e estimula ideias heterodoxas

O senso de urgência que a mais longa recessão econômica vivida pelo país criou para a realização de reformas institucionais já desapareceu. A ambiciosa - e necessária - reforma da Previdência proposta pelo Ministério da Fazenda foi desmontada e sua votação, jogada para as calendas. Outras mudanças importantes, como a revisão das regras de concessão da pensão por morte, foram abandonadas. Não é à toa o fracasso da reforma da Previdência criou um vazio no debate que já começa a estimular economistas desenvolvimentistas a proporem a volta das políticas que... provocaram a tragédia do triênio 2014-2016.

O governo Temer, em pouco menos de dois anos, tirou o Brasil da crise: reduziu a inflação de quase 11% em 2015 para menos de 3% no ano passado, praticamente o mesmo nível da média mundial e das economias emergente; aprovou reformas no Congresso Nacional, como a que instituiu um teto que impede o crescimento real das despesas da União por 20 anos, passo crucial para que o país comece a lidar com o gravíssimo desequilíbrio das contas públicas; promoveu mudanças em marcos legais, como o do petróleo, para estimular investimentos do setor privado; desidratou a concessão de subsídios; nomeou gestores de reputação e competência reconhecidas para comandar estatais como Petrobras, Banco do Brasil e Eletrobras; reabriu o debate sobre a necessidade de retomada das privatizações, uma vez que o Estado faliu e a dívida pública não para de crescer; encaminhou ao parlamento projeto de lei para privatizar a Eletrobras e a maioria de suas subsidiárias.

O resultado da política de arrumação da casa está aí: a taxa básica de juros (Selic) está no menor valor nominal (6,75% ao ano) desde o lançamento do Plano Real, em julho de 1994, e deve cair um pouco mais ao longo deste ano, criando expectativa de que a queda seja estrutural; o Produto Interno Bruto (PIB) voltou a crescer - 1% em 2017, acima do que se esperava - depois de três anos terríveis que fizeram a renda per capita encolher, em termos reais, mais de 10%; a taxa de desemprego começou a cair, o consumo das famílias reagiu antes do esperado e, agora, por causa do aumento da confiança dos empresários, os investimentos tendem a liderar o avanço da atividade, o que pode fazer com que a recuperação não seja apenas cíclica.

As mudanças criaram um ambiente propício à melhora das condições financeiras - a bolsa de valores bateu recordes de alta; os juros no mercado recuaram (não tanto quanto poderiam, mas as razões neste caso são outras); e a taxa de câmbio apreciou, diminuindo o grau de desvalorização que chegou a levá-la a mais de R$ 4. O bom quadro financeiro é uma espécie de voto de confiança do mercado na qualidade das políticas adotadas pelo governo e no compromisso de que a situação fiscal será equacionada com a aprovação de reformas.

Mesmo após a adoção de uma série de medidas para estancar a sangria dos cofres públicos, o setor público consolidado (União, Estados e municípios) continua gastando muito mais do que arrecada no conceito primário (que não inclui a despesa com juros), o que é absurdo e altamente perigoso porque significa elevar a dívida pública de forma contínua. O quadro é de uma precariedade atroz, uma vez que apenas os gastos com aposentadorias dos funcionários públicos e dos trabalhadores do setor privado (INSS) consomem 57% da receita da União e, apenas no ano passado, o déficit desse item da despesa chegou a R$ 270 bilhões.

A reforma da previdência não resolveria o problema fiscal, mas indicaria aos brasileiros - integrantes do mercado financeiro ou não - que o rombo existente nessas contas começou a ser enfrentado e que, no futuro, o Estado brasileiro tornar-se-ia financiável. O funcionalismo e a esquerda dizem que a reforma é "ideológica", defendida pelos conservadores e os rentistas, estes interessados apenas em assegurar que o governo continue honrando o pagamento da dívida pública. É uma forma de evitar que o debate ocorra com base na realidade de números oficiais, produzidos pelo próprio serviço público.

A manipulação faz um mal enorme ao país porque entorpece principalmente os jovens, que deveriam estar nas ruas liderando manifestações em prol de reformas como a da previdência, uma vez que é o futuro do país que está em jogo - sem o reequilíbrio das contas públicas, a carga tributária será sempre alta, dificultando o crescimento da produtividade da economia, única forma de o Brasil elevar o ritmo de crescimento sem provocar aumento da inflação.

O enfraquecimento político do presidente Michel Temer desde meados de maio do ano passado, o lobby organizado e permanente dos funcionários públicos contra a redução de seus "privilégios adquiridos", a mediocridade da classe política, a alheamento de parte significativa da elite cultural dos reais problemas da nação, o anacronismo das ideias econômicas dos partidos de esquerda, a mistificação promovida em Brasília por defensores de interesses específicos e a desinformação reinante na maioria da população enterraram a mais urgente das reformas: sem uma solução para a previdência, o Estado, que já está quebrado por não conseguir sequer pagar suas despesas com o dinheiro dos tributos que arrecada, vai tornar-se ingovernável, uma vez que, a partir do fim da próxima década, haverá mais idosos do que jovens no país, isto é, mais aposentados do que pessoas trabalhando, o que agravará ainda mais o desequilíbrio das contas públicas.

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