terça-feira, 6 de março de 2018

Em novo rompante, Trump flerta com guerra comercial: Editorial | Valor Econômico

Depois de flertar com uma guerra tradicional, disputando com o ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un, quem tem o arsenal mais poderoso, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, está lançando as bases para um conflito agora comercial, de dimensão global. Desta vez, ele dirigiu as baterias contra a importação de dois insumos básicos para a indústria, anunciando na semana passada a intenção de impor uma sobretaxa de 25% sobre as compras internacionais de aço, e de 10% sobre as de alumínio. Trump deixou o mundo intrigado e indignado ao justificar a necessidade de proteger a indústria americana e garantir a segurança nacional, dada a importância desses produtos para o setor bélico. Os detalhes das barreiras somente serão divulgados nesta semana.

Trump foi provavelmente movido mais pela antiga mística das usinas siderúrgicas como cerne da indústria do que propriamente pelo seu peso atual na economia americana. As importações de aço e alumínio são apenas 2% do total comprado no exterior pelos Estados Unidos e envolvem apenas 0,1% dos empregos do país. Além disso, a produção siderúrgica americana é considerada ineficiente e a tonelada do aço americano custa US$ 80 a mais do que a média mundial.

Não é por outro motivo que a medida causa preocupação no mercado interno. Indústrias americanas consumidoras de aço e alumínio manifestaram a preocupação com preços mais altos e com a capacidade de ter a demanda atendida. Reportagem do "The New York Times" de domingo traz a inquietação da Boeing, da General Motors e de fabricantes de cerveja e a conclusão de que os próprios consumidores americanos serão negativamente afetados. Sinal disso foi a decisão da fabricante sueca de eletrodomésticos Electrolux de suspender o plano de investir US$ 250 milhões para modernizar e expandir suas fábricas em Springfield, após o anúncio da sobretaxa, com receio de custos de produção mais elevados.

Há exatamente 16 anos, em março de 2002, o então presidente George W. Bush impôs uma sobretaxa de 30% sobre vários tipos de aço importados, inclusive do Brasil, prevista para durar três anos. Os preços subiram 70% em média, os empregos americanos não reagiram e a sobretaxa foi retirada 16 meses antes do fim do prazo. Mais recentemente, Washington aplicou medidas antidumping contra o aço chinês. Desta vez não foi fixado um prazo e Trump parece menos razoável ao tomar uma medida de alcance global sob a suspeita de que alguns países estariam reexportando o aço chinês disfarçado. Oficialmente, a China, claramente em situação de superoferta, está apenas em 11º lugar entre os maiores vendedores de aço para os Estados Unidos, com 2,9% do mercado, em uma lista pulverizada encabeçada pelo Canadá, seguido pelo Brasil, com 13,2%, Coreia do Sul e México.

O Brasil produz 35 milhões de toneladas de aço bruto, dos quais 15 milhões são exportados, um terço dos quais para os EUA, propiciando uma receita de pouco mais de US$ 2,5 bilhões. Entre os semimanufaturados de aço, o peso do mercado americano é maior pois ele absorve pouco mais da metade do total exportado. O fato de boa parte do aço brasileiro exportado para os EUA ainda ter que ser processado localmente era um argumento que a indústria brasileira pretendia usar para se livrar da sobretaxa, uma vez que preservava o emprego de americanos. A possibilidade de isenções foi descartada por membro do governo no fim de semana. Mas, em mais um movimento pendular característico de Trump, ontem ele deixou a porta aberta para livrar os produtos do Canadá e México, caso cedam em negociação no âmbito do Nafta.

De toda forma, espera-se uma enxurrada de reclamações junto à Organização Mundial do Comércio (OMC), que Trump já chamou de "desastre"; além de retaliações ensaiadas pela União Europeia, China, além do México e Canadá. Trump alega ameaça à segurança nacional, embora o setor militar consuma apenas 3% da demanda total doméstica de aço e alumínio. Desconfia-se agora que os EUA adotarão novas medidas unilaterais. Uma suspeita é que os EUA venham a exigir "reciprocidade tarifária" - o país seria forçado a aplicar as mesmas alíquotas pelas quais exporta aos Estados Unidos (Valor, 5/3). Em se tratando de Trump, tudo é possível.

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