sábado, 3 de março de 2018

José Márcio Camargo*: Sindicatos e a contribuição sindical

- O Estado de S.Paulo

Ninguém está obrigado a contribuir, a menos que assim o deseje e manifeste explicitamente

A reforma da legislação trabalhista foi uma das mais importantes reformas implementadas pelo governo do presidente Michel Temer. E o fim da contribuição sindical obrigatória foi uma das principais mudanças.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), imposta por decreto pela ditadura do Estado Novo no final dos anos 30 e início dos anos 40 do século passado, tinha como um de seus fundamentos a subordinação das organizações representativas de trabalhadores e empresários à vontade do Estado. Para tal, entre outras medidas, criou uma contribuição obrigatória destinada à manutenção destas organizações, paga pelos trabalhadores e pelas empresas.

A expectativa era de que, por serem financiadas por uma contribuição obrigatória, estas organizações teriam pouco ou nenhum incentivo a desenvolver atividades com o objetivo de aumentar o contingente de trabalhadores (e empresas) voluntariamente filiados. Segundo os formuladores da CLT, a necessidade de atrair o apoio voluntário dos trabalhadores (e empresas) exigiria que estas organizações aumentassem sua capacidade de negociar as condições de trabalho e salários diretamente entre si. O risco seria a perda de controle destes movimentos, conflitos e disputas sociais incontroláveis.

Com o financiamento via contribuição obrigatória o incentivo seria que as organizações sindicais se dedicassem a negociar diretamente com o governo mudanças na legislação sem necessidade de organizar os trabalhadores na base. O resultado foi exatamente o previsto. Com raras e honrosas exceções, os sindicatos e as centrais sindicais se desenvolveram dependentes do Estado, com pouca ou nenhuma vinculação direta com os trabalhadores por eles representados. Até mesmo as centrais sindicais que nasceram em oposição à ditadura militar (1964/1985), como a CUT, que no início se rebelaram contra a contribuição obrigatória e a ligação entre organizações sindicais e Estado, acabaram por se submeter ao incentivo decorrente da existência da contribuição obrigatória.

A nova legislação trabalhista eliminou a obrigatoriedade da contribuição sindical. A partir da aprovação da nova legislação, para que a contribuição possa ser descontada pela empresa em benefício do sindicato, é necessário que o trabalhador dê seu consentimento explícito e por escrito. O objetivo é tornar a sobrevivência das organizações sindicais dependente do desejo dos trabalhadores de a ela se filiarem e, portanto, da percepção de que a organização presta a eles serviços relevantes. O objetivo final é criar uma relação mais próxima entre organização sindical e trabalhadores (ou empresas) e aumentar o poder de barganha dos sindicatos e das centrais sindicais.

A transição será dolorosa e difícil. Os sindicatos e centrais sindicais terão de convencer os trabalhadores (e empresas) de que vale a pena contribuir para sua sobrevivência, mesmo tendo em vista o histórico de pouco trabalho feito por elas em prol dos trabalhadores (e das empresas) no passado. Será necessário desenvolver estratégias de mobilização e negociação capazes de dar resultados concretos no curto prazo, melhorar as condições de trabalho nas empresas e, com isso, atrair os trabalhadores a se filiarem para financiar e manter a organização viva.

Em lugar de seguir a nova legislação, as organizações sindicais decidiram desrespeitá-la. Estão promovendo assembleias com a presença de um número pequeno de trabalhadores ligados a suas direções para aprovar uma contribuição assistencial e enviar correspondência ao conjunto dos trabalhadores e empresas de suas bases exigindo, sob ameaça de recorrer à Justiça, que a contribuição seja por eles paga, independentemente de aprovação explícita. Esta estratégia é imoral, ilegal e deve ser denunciada à Justiça. Ninguém está obrigado a contribuir para os sindicatos, a menos que assim o deseje e manifeste explicitamente e por escrito.
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* Professor do departamento de economia da PUC/Rio e economista da Opus Investimentos

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