segunda-feira, 19 de março de 2018

Marcus André Melo: Personalismo e a arte da manipulação

- Folha de S. Paulo

Inclusão, corrupção e segurança estão em disputa simbólica

Na Argentina, em 1924, uma facção da União Cívica Radical (UCR) fundou um novo partido sugestivamente intitulado União Cívica Radical Antipersonalista. Se o PT –que enfrenta dilema similar à UCR—seguisse o exemplo, mudaria seu nome para Partido Antipersonalistados Trabalhadores.

Blague à parte, a questão remete ao dilema central para partidos políticos com lideranças carismáticas, maiores que eles próprios: como conciliar sobrevivência individual de seus líderes e da marca do partido?

A resposta depende da relação entre o partido e a liderança personalista e da força do primeiro. Depende também se ela está em declínio ou em ascensão.

No caso argentino, a cisão foi uma reação à hegemonia exercida sobre um partido forte por um líder carismático —Hipólito Yrigoyen (1852-1933)— que ocupou a presidência duas vezes. E deu certo: os Antipersonalistas elegeram um presidente. Mas durou pouco. A sina de Lula e do PT só o tempo dirá.

No caso das lideranças carismáticas emergentes, sua ascensão ocorre quando logram introduzir uma nova dimensão na política, em um padrão em geral “single issue” (monotemático), que será também seu calcanhar de Aquiles. E muitas vezes em resposta a um choque. William Riker, que incorporou a teoria dos jogos à ciência política na década de 1960, chegou a cunhar um neologismo –“heresthetics”— para designar a “arte de manipular dimensões da disputa política”.

O caso da disputa presidencial atual na Costa Rica é ilustrativo. O franco favorito nas eleições é um pastor que é o único representante de seu partido na Assembleia Nacional. Seu bordão de campanha é monotemático: proibir a união homoafetiva no país, questão que galvanizou a opinião pública devido a um choque: a decisão favorável da Corte Interamericana de Direitos Humanos em caso judicial recente.

“Mito” em ascensão, Bolsonaro tem sido eficiente em introduzir a segurança pública e a crise de autoridade como uma nova dimensão na disputa política vertebrada, nos últimos 25 anos, por questões redistributivas (inclusão social e desigualdade). Bolsonaro —qual seu partido mesmo?— não “inventou” esta dimensão nem ela é produto de um choque: estava à espera de alguém que a mobilizasse.

Inclusão, corrupção e segurança estão em disputa simbólica. Em uma sociedade profundamente desigual e que foi submetida ao choque da Lava Jato, candidaturas “single issue”, de partidos sem recursos ou capilaridade, têm limitações severíssimas. Mas em eleições com dois turnos o sarrafo é baixo: com pouco mais de 15% dos votos pode-se chegar ao segundo turno. Um choque –como um assassinato– poderá criar uma janela de oportunidade. A muralha vem depois
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Marcus André Melo é professor de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco e doutor pela Sussex University.

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