quarta-feira, 28 de março de 2018

Miriam Leitão: Contradições e perigos

- O Globo

O juiz Sérgio Moro deu ao Roda Viva o dado definitivo sobre a importância de se manter o cumprimento da pena após a condenação em segunda instância. Desde 2016, só na 13ª Vara Federal em Curitiba, houve 114 execuções de pena por esse motivo. Desses, 12 são da Lava-Jato. Os outros 102 foram de “peculatos milionários” e também “traficantes, pedófilos, doleiros”. Será que o STF quer soltar todos eles? Q uando, depois da Semana Santa, os ministros do STF se reunirem para decidir sobre o habeas corpus para o ex-presidente Lula, precisam ter em mente o que farão com todos os inúmeros condenados que, pelos crimes mais diversos, estão cumprindo pena no país. Porque o impressionante número de 114, em menos de dois anos, se refere apenas à 13ª Vara Federal. Quantos são os condenados na mesma situação no resto do país? O habeas corpus para Lula pode ter fundamento e, se for o caso, que eles o expliquem. Mas se suspenderem o cumprimento da pena após o julgamento colegiado do mérito terão aberto o caminho da impunidade. De todo o tipo de criminoso. Do político corrupto, do funcionário público que desviou dinheiro público, do traficante, do doleiro, do pedófilo e do assassino.

O país voltará da Páscoa para a semana em que o STF ficará de frente com as suas contradições, de ter dado um salvo-conduto ao ex-presidente contra suas próprias súmulas e entendimentos. Há situações difíceis de explicar, como a decisão de ontem na 2ª Turma que favoreceu o senador Romero Jucá. Os ministros disseram que a denúncia de que houve doação ilegal do grupo Gerdau a Jucá é fraca e, claro, diante disso a decisão certa foi a que tomaram. Mas sobre o senador pairam tantas dúvidas que seu sonho, como ele bem a expressou, é de parar a Lava-Jato.

Depois da Páscoa haverá também a troca de ministérios. É preciso, em ano eleitoral, blindar o Ministério da Fazenda contra a pressão de políticos. Por isso, neste momento, a maior virtude de um possível ocupante do posto é ser criticado pelos políticos. É o que acontece com o secretário executivo Eduardo Guardia e o secretário de Acompanhamento Econômico, Mansueto de Almeida. No BNDES, também haverá novo presidente.

A Fazenda tem a chave do cofre de um país que está em crônica crise fiscal. No BNDES estão os empréstimos subsidiados. Os dois terão seus atuais ocupantes saindo para possíveis candidaturas presidenciais. A escolha terá que ser a mais técnica possível, e de pessoa que não se submeta a acertos políticos nas decisões do Ministério. Do contrário, a pouca melhora na economia pode retroceder.

Pessoas que ocupam esses cargos deveriam seguir, por bom senso, outra regra de desincompatibilização, mesmo que não escrita. Não é compatível estar nesses postos-chave e negociar uma candidatura. Um trabalho contamina o outro. Quem tem pretensão político-eleitoral simplesmente não pode continuar sendo ministro da Fazenda ou presidente do BNDES. Rabello de Castro anunciou que fará hoje em coletiva o anúncio da sua saída: está usando a estrutura do banco como palanque até na saída. Meirelles ainda continuará no cargo até a semana que vem.

A economia chega ao início do tempo de maior tensão político-eleitoral com vários ganhos, e um deles foi explicado ontem na Ata do Copom. Como a inflação está abaixo do previsto, foi de 0,96% no primeiro trimestre, os juros que caíram para 6,5% devem cair mais na próxima reunião. Além disso, a recuperação econômica está muito devagar, o pouco aumento do emprego ocorre no postos do mercado informal. Diante disso, a Selic será cortada pelo menos mais uma vez.

Mas há um imenso rombo fiscal ainda não coberto. Uma das previsões do ano era a privatização da Eletrobras. Ontem a estatal divulgou mais um resultado negativo. Desde a desastrosa MP 579, de 2012, já são R$ 29 bilhões de prejuízo. Se ela não for privatizada, precisará de aporte do governo.

Numa situação fiscal tão frágil, se um candidato com ideias populistas avançar nas intenções de voto, ou se a área econômica passar a tomar decisões de ampliação de gastos para alavancar a candidatura oficial — seja Meirelles, seja o presidente Temer — o quadro econômico pode piorar fortemente. O país está assim, nesse fio da navalha, em todos os lados.

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