quarta-feira, 14 de março de 2018

No comércio, Trump põe o mundo na defensiva: Editorial | Valor Econômico

Com seu jeito desmiolado de governar, o presidente Donald Trump, ao anunciar tarifas de 25% para o aço e 10% para o alumínio importados, conseguiu atingir mais o Brasil e países aliados dos Estados Unidos, como União Europeia e Coreia do Sul, do que o suposto alvo das medidas, a China. Não há dúvidas de que a proteção a um velho setor da economia provocará mais baixas do que preservação de empregos, e esse não é o maior dos problemas. A forma unilateral com que tomou as medidas e o caminho que estabeleceu para que sejam revogadas, país a país, minam as regras do comércio internacional e o órgão criado para protegê-las e zelar pelo seu cumprimento, a Organização Mundial do Comércio (OMC).

Não será, ainda, a grande guerra comercial de Trump, mas ele passou a agir nessa área com desenvoltura, o que é uma ameaça ao mundo. Para isso, ressuscitou um dispositivo da década de 60 que permite tarifas contra importação de produtos que ameacem a "segurança nacional", motivo permitido pelos acordos que originaram a OMC. Ao prometer amenizar as restrições aos países que sejam mais "amigos" dos EUA, o próprio presidente mostra que as razões invocadas não passam de uma farsa.

A escolha do aço não foi gratuita. Há um excesso de mais de 700 milhões de toneladas de aço no mercado mundial, a maior parte nas mãos do maior produtor mundial, a China (49,2% do total). Os chineses usam vários canais para desová-los abaixo do preço, ou seja, o alvo era evidente. Ganhos colaterais podem ser obtidos com os vizinhos do Nafta, Canadá e México, respectivamente o primeiro e o quarto maiores exportadores de aço para o mercado americano, para que aceitem termos mais favoráveis aos EUA.

Trump, porém, é um trapalhão impulsivo, e os fanáticos do protecionismo que tem a seu lado, Peter Navarro, conselheiro, Wilbur Ross, secretário do Comércio, e Robert Lighthizer, veterano advogado de causas da indústria do aço, hoje chefe do USTR, venceram a disputa interna, que teve como vítima Gary Cohn, presidente do conselho de assessores econômicos.

O resultado é que, se tudo continuar como está, o Brasil, segundo maior exportador para os EUA, será o principal país atingido pelas tarifas - já que Canadá escapou delas-, e a Coreia do Sul, que atuou para aproximar Trump e o ditador Kim Jong-un, o segundo maior prejudicado. A China vende US$ 740 milhões aos EUA, o Brasil, US$ 2,63 bilhões.

Como não há bom mocismo no comércio internacional, a União Europeia buscou uma maneira de conter os excedentes de aço da China colocando na mesa como moeda de troca o reconhecimento de que o país é uma economia de mercado, o que nunca foi. Não deu certo mas, de qualquer forma, foi uma tentativa transparente, previsível e negociada de abordar o problema.

Trump colocou mais uma vez em xeque a OMC. Uma ação na OMC, que provavelmente condenaria o burlesco argumento dos EUA para instituir as tarifas, levaria tempo, se é que chegaria a uma conclusão. Trump, ao vetar substituições no órgão de apelação da instituição, colocou-o muito perto da paralisia. Aos demais países, Trump jogou a cenoura da negociação bilateral, na qual permitirá ou não livrar-se de uma decisão arbitrária a quem bem entender e segundo os critérios que só os EUA e mais ninguém julgar adequados.

Conformar-se a um ultimato, tentar o acordo com os EUA ou tentar derrubá-lo na OMC são as principais opções. A via principal que os países seguem até agora é a de buscar um salvo conduto às tarifas com os EUA e jogar o problema para os outros, um pragmatismo que fortalecerá Trump para novas escaladas protecionistas.

Já há mais investidas sendo preparadas, a mais importante delas contra a China na questão da propriedade intelectual. Essa ação, porém, é muito mais complexa e de consequências mais amplas do que o ensaio com o aço. As medidas de Trump não darão os resultados que almeja, mas desarranjam regras e instituições construídas há décadas. O presidente não se importa muito com isso se puder manter o poder. O show ao vivo de demagogia do anúncio das medidas protecionistas, visando um distrito onde os republicanos estão em maus lençóis para a próxima eleição, foi um sinal de que pensa na reeleição e não está brincando em serviço - como frequentemente parece.

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