sábado, 7 de abril de 2018

A frágil defesa do fim da prisão na segunda instância: Editorial | O Globo

A longa sessão do STF de julgamento do habeas corpus de Lula serviu para expor a falta de base sólida dos que defendem a mudança da jurisprudência

As onze horas da sessão do Supremo, do início da tarde de quarta-feira ao começo da madrugada de quinta, foram uma aula multidisciplinar. Houve a lição de coerência, por meio da ministra Rosa Weber, vencida em 2016 na questão do início de cumprimento da sentença na condenação em segundo grau, mas que vota como estabeleceu o colegiado, em nome da segurança jurídica, um exemplo para outros ministros. E assim, a ministra negou o HC a Lula, apesar da pressão deselegante dos ministros Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski, exercida também sobre a presidente da Corte, Cármem Lúcia.

As onze horas do julgamento serviram, ainda, para expor manobras coordenadas entre Gilmar Mendes, Lewandowski e Marco Aurélio Mello, a fim de transformar a sessão, convocada para tratar do caso específico de Lula, em plenária de alteração da jurisprudência da segunda instância. Não deu certo.

As onze horas também foram usadas para uma aula de Luís Roberto Barroso sobre os males da extinção, pelo STF, em 2009, da norma da execução de pena a partir da condenação em segunda instância, como vigorou desde outubro de 1941, com a promulgação do novo Código de Processo Penal, até 2009, quando o então ministro Eros Grau, ao relatar um pedido de habeas corpus, propôs a mudança e teve êxito. Hoje se arrepende.

A sessão do HC de Lula serviu também para expor a fragilidade da argumentação em favor da volta da jurisprudência instituída em 2009, depois de 68 anos de aplicação da norma do início da execução da pena na segunda instância, e revogada em 2016.

Nas argumentações feitas pelos ministros Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio houve menções à “defesa dos direitos humanos”, como se a justa penalização de alguém, por crime comprovado, a partir da segunda instância, equivalesse a torturas, fuzilamentos, trabalho escravo etc.

Balela, até porque o condenado continua com todo o direito aos demais recursos. A presunção de sua inocência continua de pé. Não parece difícil entender que, como na grande maioria dos países, passada a fase de avaliação de provas da acusação e de argumentos da defesa, o que acontece nas duas primeiras instâncias, já é plausível iniciar-se a execução penal. Sem ferir qualquer direito fundamental. Nos Estados Unidos, por exemplo, pode-se ir preso depois da primeira instância, em certos casos.

E ainda há histórias emblemáticas de impunidade, devido à aplicação cega da regra do “trânsito em julgado”, que serve de mantra para alguns ministros.

No seu voto, Barroso citou o caso do jornalista Pimenta Neves, assassino confesso da namorada, mas que, passados dez anos da condenação, continuava livre. Referiu-se, ainda, ao caso trazido pelo GLOBO do fazendeiro que disparou cinco vezes contra um rapaz. Foram tantos os recursos que, 21 anos depois da tentativa de homicídio, o crime prescreveu.

Não faltam histórias em que o “trânsito em julgado” produz impunidades. Por isso é que analistas supõem haver muito mais gente poderosa interessada na mudança desta jurisprudência além de Lula.

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