quarta-feira, 4 de abril de 2018

Bernardo Mello Franco: Julgamento de Lula virou guerra de torcidas

- O Globo

Acredite: o Brasil não vai acabar hoje nem amanhã, seja qual for o resultado do julgamento do habeas corpus de Lula no Supremo.

O caso do ex-presidente envenenou o debate público como não se via desde o impeachment. Há muita propaganda e pouca racionalidade na praça. A ordem é torturar os fatos até que eles se adaptem à tese preferida de cada um.

É um exagero dizer que prender Lula significaria rasgar a Constituição. A Carta não afirma textualmente que ninguém poderá ser preso até esgotar o último recurso ao último dos tribunais. Se fosse assim, bastaria escrever que réus com dinheiro para pagar a bons advogados jamais pagariam por seus crimes.

Da mesma forma, é mistificação dizer que uma decisão favorável a Lula sepultará a Lava-Jato. A operação já sobreviveu a muitas e mais poderosas tentativas de “estancar a sangria”. Se fosse fácil pará-la, os empreiteiros nunca teriam ido em cana e o atual presidente não estaria tão preocupado com o próximo 1º de janeiro.

Ainda circula a falsa alegação de que um eventual habeas corpus para o ex-presidente livraria da cadeia centenas de assassinos e pedófilos. Isso é puro terrorismo, porque o Supremo não está tratando de réus de alta periculosidade nem do fim das prisões preventivas.

A discussão jurídico-filosófica sobre a presunção de inocência é interessante, mas se transformou num biombo. O julgamento virou guerra de torcidas por outro motivo: seu resultado será determinante para a sucessão presidencial.

O que se discute, mais ou menos abertamente, é o futuro de Lula. Ele dificilmente seria candidato por força da Lei da Ficha Limpa, mas ainda lidera as pesquisas e mantém força para transferir votos.

O grupo que venceu a guerra pelo poder em 2016 não está disposto a entregá-lo facilmente no início de 2019. Do outro lado, quem perdeu a batalha do impeachment precisa do petista livre e no palanque para sonhar com uma volta ao Planalto.

Por isso tudo, o país volta a mergulhar no clima de vale-tudo que prevaleceu na crise de dois anos atrás. É pena que agora estejamos descendo a um poço ainda mais fundo, com direito a intimidação de juízes, tiros em caravanas e até ameaças veladas de golpe militar.

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