quarta-feira, 25 de abril de 2018

Cristiano Romero: Brasil, um país ciclotímico

- Valor Econômico

A organização política do Brasil favorece a criação de oligarquias

Quando disse que o Brasil não é para principiantes, Antônio Carlos Jobim não fez apenas um chiste. País do futuro (Stefan Zweig) que nunca chega, que não perde a oportunidade de perder oportunidades (Roberto Campos), e até o passado é incerto (Pedro Malan), o Brasil é marcado por períodos intensos de euforia e depressão, que se alternam com incrível periodicidade. Esses períodos não são como ciclos econômicos, compreensíveis e em alguns casos até desejáveis; são, na verdade, a luta interminável entre o passado e o futuro, o progresso e o atraso, a mudança (ou a necessidade de) e o imobilismo, o novo e o conservador. Há avanços na trajetória, mas também retrocessos inacreditáveis

Ninguém sabe exatamente a que se referia Jânio Quadros quando disse que "forças ocultas" boicotaram seu mandato presidencial, que durou apenas sete meses, mas que elas existem, existem. No Brasil, a crueza de "House of Cards", a série ficcional que expõe o jogo pesado da política nas democracias inglesa e americana, é verossímil. Improvável é o que se passa em Brasília. No Brasil, a arte não consegue imitar a política.

Lá fora, quando um brasileiro relata os fatos a seguir, o ar é de incredulidade:

1) a independência do país de Portugal, em 1822, foi proclamada pelo filho do imperador;

2) a República nasceu de um golpe militar;

3) a escravidão foi abolida por um ato da filha do imperador, que resistiu ao seu fim por 38 anos, tornando o Brasil o último país das Américas a acabar com essa ignomínia;

4) a "revolução" de 1930, deflagrada supostamente para modernizar o país, dominado na República Velha por oligarquias rurais de São Paulo e Minas Gerais, entronizou um caudilho (Getúlio Vargas) que só deixou o poder 15 anos depois;

5) Vargas entregou a comunista Olga Benário a Hitler, uma forma hedionda de fazer um gracejo ao líder nazista e se recusou a dar um visto de permanência a um dos maiores intelectuais da época - Stefan Zweig -, que se refugiou em Petrópolis (RJ), fugindo da guerra na Europa; enquanto flertava com os nazistas, o ditador negociou a criação da CSN em troca de apoio aos americanos naquela guerra;

6) o líder comunista (Luiz Carlos Prestes), que teve sua mulher (Olga) entregue, grávida, aos nazistas, foi solto em 1945 e participou do movimento "queremista", de apoio à permanência do ditador;

7) no retorno das eleições democráticas cinco anos depois, o eleito pelo voto popular foi... o ex-ditador;

8) em 1953, numa época em que apenas 25% das crianças estavam na escola, a classe média brasileira foi às ruas gritar pelo "petróleo é nosso" e a criação da Petrobras; 11 anos depois, voltou às ruas para exigir a deposição do presidente João Goulart, getulista;

9) no Brasil, a Constituição diz que o direito à educação é universal, mas o Estado submete as crianças e adolescentes das classes de baixa renda a um ensino público de péssimo qualidade e, por isso, a maioria deles não consegue acesso às universidades federais e estaduais, as melhores do país e onde estudam, de graça, os filhos da classe média, de alguns remediados e dos ricos;

10) o Brasil deve ser o único caso do mundo onde faculdades particulares de ensino superior, financiadas com dinheiro público a fundo perdido (Fies), têm acionistas, entre eles, alguns dos maiores fundos de participações acionárias ("private equity") dos Estados Unidos e da Europa.

A lista de vicissitudes é extensa. Os brasileiros variam do otimismo ao ceticismo exagerado e acabam não percebendo que, apesar de avanços incrementais, algumas coisas - as que impedem que o país progrida - não mudam. Um exemplo: a interrupção frequente de mandatos presidenciais e do próprio regime democrático. Tivemos dois impeachments em 28 anos de redemocratização, ou seja, metade dos quatro presidentes eleitos pelo voto popular nesse período não concluíram os mandatos - não vai aqui nada que possa parecer a defesa dos dois ex-mandatários, mas de fato há algo fundamentalmente errado no nosso sistema político.

Dizem que Deus é brasileiro, mas, se isso é verdade, Ele não quer que ninguém saiba porque odeia nepotismo, marca do patrimonialismo tupiniquim. Senão, vejamos: em 1985, depois de 21 anos de ditadura militar, o Congresso elegeu presidente Tancredo Neves, um dos líderes da oposição aos militares. Tancredo foi eleito dentro de arranjo que contemplava as forças civis que apoiaram os militares desde 1964.

Na noite de véspera da posse de Tancredo, enquanto país estava tomado por euforia comparável à conquista de uma copa do mundo, um zum-zum-zum correu Brasília com a notícia de que o primeiro presidente civil em mais de duas décadas caíra doente e, por isso, não tomaria posse no dia seguinte. Não eram "fake news". Na manhã de 15 de março de 1989, em seu lugar assumiu um prócer da ditadura: José Sarney.

Não teria como dar certo. Trata-se de uma característica da classe política nacional: o pouco apreço pela democracia - mesmo quem perde eleição não aceita deixar poder, o que explica, por exemplo, o fato de o senador Romero Jucá (PMDB-RR) ter sido o líder de todos os governos, desde Fernando Henrique Cardoso.

No Brasil, o sistema político favorece o florescimento de oligarquias. Nos EUA, presidente da República só pode ser reeleito uma única vez e apenas em mandato sucessivo. No presidencialismo, ninguém pode ser mais poderoso que o chefe do Poder Executivo. Sendo assim, uma vez tendo ocupado o cargo máximo da República, o sujeito tem que sair da política, do contrário, será sempre uma força desestabilizadora. Isso não dá espaço para a ocorrência de fenômenos, como o getulismo e o lulismo, que dominaram a política nacional durante 88 anos.

O golpe de 64 foi um movimento para tirar um getulista do poder. Com a redemocratização, outro getulista - Leonel Brizola - só não chegou ao poder porque um adversário chamado Lula o impediu. Desde então, o ex-operário esteve presente direta e indiretamente em todas as eleições. Fernando Collor, que o venceu no pleito de 1989, já naquela eleição foi chamado de anti-Lula - porque ficou claro que o ex-operário não entrou na política a passeio. Lula disputou e perdeu as duas eleições seguintes, mas venceu as de 2002 e 2006 e escolheu e elegeu a sucessora em 2010 e 2014. Nada de novo ao sul da linha do Equador.

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