terça-feira, 17 de abril de 2018

Desigualdade persiste, mesmo com a reação da economia: Editorial | Valor Econômico

Mesmo com a expansão da economia em 2017, a desigualdade seguiu elevada e ajuda a explicar em parte porque a população queixa-se de não sentir os benefícios da recuperação. Depois de dois anos de retração, a atividade econômica reagiu e cresceu 1% no ano passado, puxada especialmente pela agricultura. Mas a desigualdade do rendimento médio mensal real per capita nos domicílios medida pelo índice de Gini ficou em 0,549 respectivamente - quanto mais perto de 1, pior -, o mesmo patamar de 2016, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE. Segundo o levantamento, os 10% mais ricos da população abocanharam 43,3% da massa de rendimentos do país, ou R$ 113,9 bilhões dos R$ 263,1 bilhões mensais, enquanto os 10% mais pobres ficaram com apenas 0,7%, ou R$ 1,8 bilhão. Em outras palavras, 12,4 milhões de pessoas concentram a renda equivalente à de 99,6 milhões.

Se os números forem olhados a fundo, o quadro é ainda mais negativo. A desigualdade somente ficou estável porque caiu no Sudeste, mas não pelo motivo desejável de uma redução da pobreza, e sim porque os mais ricos ganharam menos, encurtando ligeiramente a distância em relação aos mais pobres. Isso aconteceu mais intensamente no Rio, por conta da crise fiscal do Estado, que atingiu os funcionários públicos e trabalhadores da indústria do petróleo; e em São Paulo, pela retração industrial. Em outras regiões do país, a desigualdade até aumentou, com destaque para Brasília e Amazonas, que apresentaram índice de Gini de 0,604 e 0,602 não muito distante de Botsuana (0,605). Segundo a pesquisa do IBGE, o índice de Gini cresceu em 15 das 27 unidades da federação no ano passado, em relação ao ano anterior.

Com base nos microdados da Pnad Contínua e critérios do Banco Mundial, a LCA Consultores calculou que o número de pessoas em situação de extrema pobreza no país passou de 13,34 milhões em 2016 para 14,83 milhões no ano passado, o que significa aumento de 11,2% (Valor 12/4). Em outras palavras, mais 1,49 milhão de brasileiros mergulharam na miséria em um ano, um número que vinha diminuindo no início da década. São levadas consideração todas as fontes de renda: trabalho, previdência, programas sociais, aluguéis e outras.

Uma das principais causas para a desigualdade persistir elevada é a situação do mercado de trabalho. O desemprego continuou crescendo até o primeiro trimestre do ano passado e diminuiu ligeiramente a partir daí, depois de ter atingido o pico de 13 milhões de desocupados. Além disso, os escassos novos postos foram criados principalmente no mercado informal, onde os salários são mais baixos, e no trabalho por conta própria. A massa de renda real cresceu 2,3% no ano passado, após dois anos de retração, mas de modo concentrado.

Houve perdas também no rendimento garantido pelos programas sociais. Dos 69,8 milhões domicílios existentes no país, 9,54 milhões recebiam recursos do Bolsa Família em 2017, o que representava 13,7% do total. No Nordeste, nada menos do 28,4% dos domicílios recebiam Bolsa Família; e no Norte, 25,8%. Em 2016, o número era maior com um total de 9,86 milhões de domicílios, o que representava 14,3% do total. A pesquisa do IBGE não questionou o motivo da perda do benefício, mas sabe-se que, no ano passado, o governo passou um "pente-fino" no programa social, o que resultou na saída de 5 milhões de famílias e na entrada de 3 milhões delas. Os números não coincidem, mas a revisão das concessões do Bolsa Família certamente explica os números. Além disso, o valor do benefício ficou sem reajuste no final do governo de Dilma Rousseff e só foi corrigido em 12,5% após a posse do presidente Michel Temer, em 2016.

Os números dão uma boa dimensão do desafio do país para melhorar a distribuição de renda, tarefa que passa pela melhoria do mercado de trabalho e da educação. Perseguir esses objetivos é necessário não só para se reduzir a desigualdade, mas também se impulsionar o crescimento da economia. O desafio pode ser ainda maior porque imagina-se que os números podem estar subestimados dado que são obtidos a partir de entrevistas. Pesquisas feitas anteriormente com base em informações prestadas à Receita Federal mostraram uma concentração de renda ainda maior.

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